domingo, 29 de junho de 2008

Dores e prazeres juninos

Sinto como se estivesse em contagem regressiva para meu pequeno inferno na Terra. Num outro domingo há três semanas comecei a sentir dores que só diminuíram depois de quatro noites. Elas começaram nos ossos, juntas e músculos das pernas e pés, se espalharam pela bacia e chegaram aos braços e mãos. Aquele domingo, como esse, veio depois de uma sessão de quimioterapia que havia acontecido na sexta-feira.

Os analgésicos que me indicaram tiveram resultado quase contrário ao que era esperado. Causaram efeitos quase imperceptíveis contra as dores que eu já estava sentindo e provocaram fortes dores de barriga. Às dores se juntaram quatro noites insones e outras tantas mal dormidas.

No auge, as dores e a quase exaustão me fizeram duvidar da minha capacidade e, alguns instantes, até pensar em desistir de lutar contra essa doença. Me fizeram também sentir mais simpatia e admiração pelos que sofrem com doenças que causam dores crônicas e não desistem de continuar vivendo. Me causaram ainda mais indignação com a crueldade dos que infligem a outros seres humanos a tortura de impedi-los de dormir por semanas e até meses.

As dores me fizeram pensar muito mas, infelizmente, mais do que isso, foram capazes de me enfraquecer tanto que perdi o ânimo e força física para escrever, para continuar minhas atividades físicas, para trabalhar e até sair para o jardim. A pouca energia que me restou naqueles dias foi reservada para brincar um pouco com minha filha, cujos mal humor e insatisfação indicaram que ela também foi influenciada pelo meu estado.

As dores diminuíram na quinta-feira, depois que passei a usar outro tipo de analgésico, mas a fraqueza e a insônia persistiram e três dias depois começaram outros tipos de desconforto. As pontas dos dedos das mãos ficaram tão doloridas que quase tive de desistir de abotoar as roupas da minha filha. Durante um ou dois dias, até teclar num computador foi doloroso.

Minha aparência também não melhorou. Minha pele, principalmente do rosto, ficou tão seca que tive de usar creme de pele com 67% de gordura três a quatro vezes por dia. Me senti uma daquelas mortas-vivas dos filmes de terror de Hollywood saindo do túmulo depois de alguns seculozinhos de sono. No hospital me disseram que ainda tive sorte. Em outras pacientes a secura causou feridas na pele.

Tive sorte em outros aspectos. Desde o ano passado havia planejado fazer uma festa junininha no quintal aqui de casa para introduzir minha filha e filhos de amigos numa das tradições brasileiras que mais curto. A data marcada caiu num sábado duas semanas depois da quimioterapia e serviu para me animar a sair do meu estado de prostração. Amigos ajudaram com pratos típicos e nem tão típicos, bebidas e decoração, através do Skype uma das minhas irmãs me ensinou a fazer balões de papel, minha família contribuiu com quilômetros de bandeirinhas a la Volpi, prendas até típicas demais para a pescaria e paçoquinhas que foram disputadas a tapa, e meu irmão e meu marido fizeram a fogueira que ficou acesa até as cinco da madrugada.

Resultado, a festa acabou sendo um sucesso, embora bem confusa por causa do maravilhoso vento do verão dinamarquês, e já estou pensando que, no ano que vem, preciso arranjar tempo para fazer um curau. Para compensar, não preciso me preocupar com as bandeirinhas de São João. Há suficientes para cobrir o quarteirão inteiro.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Insônia

Toda noite, entre as 3 e a 4 da manhã, tenho um encontro com mim mesma. Tem acontecido sempre desde a terceira sessão de quimioterapia e desta vez, em vez de ficar deitada na cama olhando para a parede pensando no que eu poderia e deveria e gostaria de fazer na manhã seguinte, decide me levanter e voltar ao blog. Por favor perdoem os erros de português de uma insone.

A insônia de hoje é causada por um remédio que comecei a tomar hoje para atacar contra-atacar os efeitos da quinta e, espero, a penúltima sessão de quimioterapia, que acontecerá daqui a umas cinco horas. O tal do remédio, usado normalmente para pacientes de reumatismo, impediu que eu sentisse dores nas juntas e músculos logo depois da última sessão de quimioterapia. Mas quando seus efeitos passaram, dois dias depois da sessão, as dores invadiram meu corpo. Um dos resultados foi que fiquei praticamente sem dormir quatro noites e dormi terrivelmente mal por mais umas cinco noites.

Desta vez estou mentalmente preparada para várias noites insones ou mal dormidas. A Pollyana me invade novamene e não consigo deixar de pensar que pelo menos terei uma boa chance de colocar o blog dia.

domingo, 8 de junho de 2008

Uma visita

Hoje à tarde uma vizinha que é enfermeira e mora aqui perto há quase dois anos, entrou pela primeira vez na nossa casa. Mas a visita não foi somente de cortesia. Ela veio porque de manhã eu a vi no jardim da casa dela e aproveitei a deixa para pedir-lhe que me aplicasse a injeção de pegfilgrastim.

Ela apareceu no começo da tarde e lhe contei que estava com câncer de mama. Não pareceu surpresa. Deve ter adivinhado ou ouvido de alguém na creche. Depois da aplicação, conversamos um pouco e mais uma vez tive razões para ser grata à vida.

A irmã dela, com apenas 32 anos, sofre de um tipo raro de câncer desde que tinha treze anos. Não lhe resta muito mais tempo de vida e é por isso que nossa vizinha passa tantos finais de semana na casa dois pais dela, onde a irmã doente está morando.

Quando ela me contou isso tive uma vontade louca de tocar a mão dela e falar o quanto aquilo me entristecia. Talvez, se ela fosse brasileira, ou se eu estivesse no Brasil, ou se eu já não tivesse morado tanto tempo na Dinamarca, eu teria feito isso. Provavelmente também teria dito o que tive vontade de dizer: “Puta que pariu! Aí também é foda”. Mas não fiz nem disse nada disso.

Só olhei bem dentro dos olhos azuis muito claros dela e percebi lá no fundo uma tristeza imensa misturada com uma necessidade quase tão grande de se manter forte para sustentar a si mesma, a irmã e a família na separação que inevitavelmente vai acontecer.

Enquanto olhava bem dentro dos olhos dela, me lembrei do meu pai, da dor e da saudade que a partida dele me deixou.

sábado, 7 de junho de 2008

Quarta sessão

Já faz um tempo que não apareço no blog. É que o tempo aqui anda tão bom que é impossível resistir e não inventar qualquer coisa para fazer ao ar livre. Junte-se a isso visita de parentes dinamarqueses e uma virose que atacou a Gabriela, que não me deixaram tempo nem para respirar.

Mas agora que realmente passei pela metade do meu tratamento quimioterápico, tenho de escrever.

Ontem de manhã recebi minha quarta dose de drogas quimioterápicas. Faltam agora penas duas sessões e nessas três últimas vezes estou recebendo um tratamento diferente do que recebi nas três primeiras vezes. Uma coisa boa desse outro tipo de medicação é que os enjôos vão praticamente acabar mas, para compensar, tenho de me preparar para vários outros efeitos colaterais. O cansaço vai continuar e provavelmente vão aparecer dores de de cabeça, musculares, nas juntas dos ossos, azia e outras cositas mais que prefiro nem listar para não ficar muito chata.

Hoje à tarde recebi uma injeção daquele medicamento, cujo princípio ativo se chama pegfilgrastim em inglês, para estimular minha produção de glóbulos brancos e que me causou tanto mal estar três semanas atrás. Assim como acontece com o tipo de quimioterapia que recebi ontem, os piores efeitos colaterais da injeção que recebi hoje só vão se fazer sentir daqui a dois ou três dias.

Por enquanto estou me sentindo bem, embora tenha aparecido uma leve dormência na ponta da língua, minha boca esteja com um gosto muito estranho e de vez em quando sinto coceira nos braços e pernas. Tudo previsto na longa descrição de efeitos colaterais que recebi do hospital.

Me disseram que os efeitos colaterais da tal injeção não são tão fortes numa segunda dose e estou torcendo para que isso seja verdade. O problema é que os efeitos colaterais da quimioterapia são muito semelhantes aos causados pela injeção, e uma pode reforçar os efeitos da outra, o que pode me deixar meio para baixo amanhã ou depois. É esperar para ver.