quinta-feira, 31 de julho de 2008

Scanning

Hoje fiz um scanning que deverá mostrar se ainda há alguma célula cancerosa em meu corpo. O exame, chamado aqui de PET/CT scanning, é feito com o uso de uma substância radioativa injetada na corrente sanguínea. Na próxima semana saberei o resultado do exame.

Em fevereiro passado, antes de ser operada, fiz esse mesmo tipo de exame pela primeira vez. O exame mostrou que, além do caroço no meu seio e de três gânglios infectados na axila esquerda, havia um quarto gânglio infectado abaixo do meu ombro esquerdo que, por estar muito perto de artérias vitais, não poderia ser operado.

Hoje também deveriam ter acontecido os preparativos para a minha radioterapia, que deverá começar daqui a dez dias. Mas, para provar que a organização dinamarquesa nem sempre é impecável, o hospital fez uma confusão com datas e horários e os tais preparativos tiveram de ser transferidos para amanhã.

É uma pena que terei de passar a manhã no hospital. Amanhã poderá ser o último dia do verão dinamarquês deste ano. Segundo os meteorologistas, depois de uma semana de sol e temperaturas que chegaram a 32 graus, o tempo vai mudar e a partir de sábado teremos chuva e temperaturas máximas de apenas 20 graus durante o dia.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Última

Passei pela minha última sessão de quimioterapia na manhã da sexta-feira passada, quatro dias atrás. Fui sozinha ao hospital. O Henrik ou o Alexandre poderiam ter ido comigo, mas preferi ir sozinha. Senti vontade de fechar aquela etapa sem mais ninguém. Estranhamente não me senti alegre, um pouco aliviada talvez, mas a apreensão com os dias de insônia e mal estar que se seguiriam me deixaram um pouco para baixo.

Antes da sessão estava decidida a exigir dos médicos que me receitassem algum tranqüilizante, sonífero ou o que quer que fosse que me desse algumas noites de sono nas próximas semanas. A enfermeira que me atendeu, uma senhora chamada Eva, acabou me enrolando. Enquanto preparava a sessão de tratamento, que inclui uma injeção de soro antes do medicamento quimioterápico, ela foi me questionando sobre a insônia, me perguntando sobre os motivos da minha falta de sono, indagando aqui e acolá.

Me deu vontade de lhe dar um soco. Calma, ficou só na vontade. Nesses dias em que ando como uma “chemical weapon of mass destruction” (arma química de destruição em massa), o diabinho dentro de mim anda bem assanhado. Se alguém fala alguma coisa que soa muito idiota, tenho vontade de dizer “seu idiota”. Se um copo está fora do lugar, tenho vontade de jogá-lo contra a parede. Mas quase tudo fica só na vontade.

O diabinho se assanhou porque as perguntas da enfermeira eram mesmo muito idiotas. Ele perguntou, por exemplo, se eu sentia sono. “Claro, sua estúpida!”, o diabinho berrou. Mas da minha boca saiu um civilizado “Sinto sim”. Expliquei que me deitava, várias vezes durante o dia e a noite, para tentar dormir e só conseguia ficar com os olhos arregalados olhando para a parede, o teto, o armário embutido, a janela, o marido roncando ao lado, o relógio, o celular que agora vive na mesinha da cabeceira da cama ...

A doce e experiente Eva (adjetivos usados pelo meu anjinho) me perguntou sobre o que eu pensava enquanto tentava dormir. Em tudo, disse eu, coisas importantes e coisiquinhas insignificantes como por exemplo, como eu poderia dar um jeito para aquele armário embutido que estou olhando agora ficar mais organizado. Porque aquilo ali está uma bagunça, tem coisa que pode ir para o porão, não precisa ficar ali juntando poeira. Ou como é que vou fazer com a aquela orquídea que ganhei da minha amiga e que precisa de um vaso novo porque está ficando sem terra a coitada, assim vai acabar morrendo à míngua.

Eva, com a calma das santas, ouviu e fez mais uma pergunta. Gente quanta pergunta! “Você pensa sobre o doença?” Nem preciso dizer que o diabinho se assanhou novamente, mas foi o anjinho que respondeu: “Penso, claro, penso se essa coisa vai voltar um dia”.

Aí a Eva pegou meu prontuário e começou o que ela mesmo chamou de palestra. A frase inicial “Tenho 20 anos de experiência” foi repetida várias vezes ao longo do parlatório e era dita com um olhar firme, os olhos azuis dela dentro dos meus olhos castanhos. Foi quase como ouvir um conto de fadas: seu caroço era um carocinho de nada, só 1,9 cm; a quimioterapia já deve ter dado cabo do gânglio infectado que não pôde ser retirado com a operação; você só tinha três gânglios infectados de um total de 18, o que é muito pouco, já vi mulher com 17 gânglios infectados de um total de 18 que hoje está curtindo os netos; talvez você já esteja curada e nem precise de mais tratamento, mas não temos como saber com certeza e por isso é melhor prevenir e continuar com os outros tipos de terapia; o pior já passou, as outras terapias a que você vai se submeter são moleza quando comparadas com a quimioterapia etc.

No final ela chegou a se desculpar pela falação, mas enfatizou que, do alto da experiência dela de 20 anos, ela sabia que era fundamental que eu acreditasse que tudo ia dar certo.

Depois dessa, fazer o que, né? Até esqueci das pílulas para dormir. Saí de lá acreditando que o sono viria sem necessisade de venenos adicionais. Obrigada, Eva.

Ando meio desleixada

Hoje acordei assim meio desleixada, com vontade de ter direito a ficar bem feia. Aproveitei que meu irmão dormiu até tarde e que o Hennrik e a Gabi já tinham saído para vestir uma camiseta amarela de regata e a bermuda mais feia e velha que tenho, uma daquelas que é o resto de uma calça pré-histórica de moletom. Expus a careca, assumi meus cílios ralos e minha sombrancelhas que agora fazem mesmo jus ao nome: se parecem com sombras do que já foram.

Nem perdi tempo me olhando no espelho. Sei que estou horrorosa. Mas é tão bom ter direito a ser feia. Na verdade, acho que é o que todos esperam de uma pessoa doente de câncer e passando por um tratamento quimioterápico: feiúra. Com a ajuda de maquiagem e uns panos bonitos que se vendem por aqui, acho que consegui não ficar horrorosa, em público. Mas aqui, entre as paredes de casa, nesta manhã nem liguei.

Aliás, essa obrigação de se estar sempre bonitinha, pintadinha, depiladinha, penteadinha e tudo mais inha é um saco. Há mulheres que dizem que é por causa da cultura machista que nos obriga, pobres mulheres, a seguir padrões inatingíveis de beleza. Pode até ser que a cultura machista não ajude, mas somos nós mesmas as grandes culpadas desse circo.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Circo

Amanha recomeça o circo. De manhã vou ao hospital fazer um exame de sangue que vai dizer se poderei receber mais um tratamento quimioterápico, marcado para o dia seguinte. Amanhã também recomeçarei a usar um remédio que alivia os efeitos colaterais da quimioterapia e que, ao mesmo tempo, me causa insônia. Esta noite será provavelmente a última chance que tenho de dormir uma noite bem dormida antes do circo químico que deverá me deixar sem dormir bem por pelo menos dez dias.

Mas acho que tudo será mais fácil de aguentar desta vez porque esta deverá ser minha última quimioterapia. Depois, outros tratamentos virão mas nenhum tão duro como esse.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Insônia II

Amanhã faz duas semanas que recebi o quinto tratamento quimioterápico e que não tenho uma boa noite com sete horas de sono. Depois desta última sessão de quimioterapia, senti menos dores graças à extensão do período de uso de um medicamento usado para atacar os efeitos colaterais da quimioterapia. Mas, como já havia acontecido anteriormente, o tal remédio me causou uma insônia terrivel. No final da primeira semana depois do tratamento, houve dias em que dormi duas horas a cada 24 horas. A noite passada foi uma vitória: devo ter dormido umas seis horas.

Me senti feliz

Ontem de manhã, indo para o trabalho de bicicleta, ouvindo música brasileira no meu aparelhinho de mp3 e olhando para o céu azul cheio de nuvens rechonchudas parecidas com as do céu de Brasília, me senti feliz. Foi um sentimento bom e tão agradável que chegou a me surpreender. Na semana passada, enquanto passeava a beira-mar com a Gabi enquanto meu irmão e meu marido batiam papo esperando por nós na praia ao lado, também senti a mesma coisa.

O curioso não foi ter me sentido feliz, mas ter sentido a felicidade como algo estranho e desconhecido. Depois entendi o porquê do estranhamento. É que, embora tenha vivido vários momentos alegres nos últimos meses, havia tempo que o bem-estar físico e o bem-estar emocional aconteciam ao mesmo tempo.

Nesses dias de quimioterapia, muitas vezes parece que eu não consigo caber em mim mesmo. Dá vontade de sair de dentro do meu corpo e abandonar esse cansaço, eessa ardência da pele, essas dores nas juntas etc etc etc. Quando acontece de fazer algo que gosto, como passear com minha filhinha numa tarde morna ou andar de bicicleta num dia ensolarado, percebo que, naquele momento, sou feliz.