segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Amigo oba oba

Ficar gravemente doente é bom para pelo menos uma coisa: identificar seus amigos oba oba. Essa categoria de amigo você sempre encontra nas festas, ele diz por aí que é seu amigo do peito e está sempre a fim da sua companhia se você está de ótimo humor e saudável. Mas se bateu um baixo astral ou se o médico acabou de confirmar que aqueles exames deram mesmo positivo para aquela doença que você temia, esqueça o amigo oba oba. O amigo oba oba vai certamente dar uma ligada ou mandar um e-mail lamentando a má notícia mas depois, tchau tchau. Ele só vai aparecer quando você der uma festa para comemorar que o diagnóstico foi um erro médico e para te ajudar a meter o pau no hospital e no sistema, que são mesmo uma merda etc e tal.

Os amigos oba oba não são maus. É bom tê-los para animar uma festa, contar uma boa piada ou não deixar o assunto morrer numa mesa de bar. Mas não conte com eles para muito mais do que isso. Eles não conseguem lidar com assuntos tristes e desagradáveis como um diagnóstico de câncer e somem quando você mais precisa de ajuda. Quando a solidão que a doença traz for mais dolorosa, não espere encontrar um emaizinho dele no seu Inbox. Ele anda ocupado demais para escrever. Um telefonema é também algo inimaginável. Seu amigo oba oba nunca consegue te encontrar, o que é algo meio inexplicável porque você está encarcerado em casa com um corpo doente que quase não consegue dar um passo.

Seu amigo oba oba não consegue enxergar que, se para ele uma doença alheia é algo triste e desagradável, para quem a vive na pele, nos ossos e nas células, a situação é obviamente muitíssimo pior. Ou talvez, quem sabe, ele enxergue isso demais e não consiga suportar ver a dor do amigo, preferindo desaparecer até o amigo se curar ou ser enterrado. De qualquer maneira, ele não consegue esquecer seu próprio desconforto por três minutos, que é o que seria necessário para escrever um e-mail, nem por dez minutos, o tempo de uma ligação telefônica. Uma visitinha solidária, então, completamente fora de questão.

Nesses nem sempre festivos últimos meses da minha vida, consegui identificar alguns amigos oba oba. Se fosse vinte anos atrás, teria ficado decepcionada e magoada, mas hoje consigo relevar, como diz uma amiga que não se enquadra na categoria oba oba. Espero contar com presença deles nas muitas festas que pretendo fazer.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Inventário

Um dia desses, um amigo me disse ficou surpreso ao me ver tão bem disposta andando de um lado para o outro num churrasco que fizemos aqui em casa para nos despedir do meu irmão, que voltaria ao Brasil no dia seguinte, e comemorar o fim do meu tratamento quimioterápico.

Fiquei contente que não estivesse com um ar tão doentio, mas também fiquei pensando que minha aparência pode ter dado uma impressão equivocada dos efeitos desse tratamento. Detesto dar uma de vítima e também é verdade que há pessoas que sofrem bem menos efeitos colaterais do que eu mas é bom avisar: quimioterapia não é mole.

Mantenho contato com duas outras pacientes de câncer de mama que sofreram mastectomia mais ou menos na mesma época que eu. Elas sofreram tão ou mais do que eu e uma delas teve sérios problemas de pele durante todo o tratamento.

Ontem fez um mês que recebi meu último tratamento quimioterápico e muitos dos efeitos colaterais ainda se fazem sentir. As ondas de calor não sumiram, os músculos das pernas continuam muito cansados e as pontas dos meus dedos polegar e indicador ainda estão com pouca sensibilidade. O gosto ruim na boca também não passou e meu paladar ainda funciona mal. Há várias coisas que como que não têm gosto de nada.

Parece maluquice, mas fiz um pequeno inventário de todos os efeitos colaterais que sofri com a quimioterapia. Alguns efeitos são conseqüência direta da quimioterapia enquanto outros são resultado dos remédios que tomei para amenizar os efeitos da quimioterapia.

Desde a primeira aplicação:
Cansaço (queria que o mundo virasse uma cama)
Nervosismo, irritabilidade
Queda de cabelo (carequice)
Nariz escorrendo (irritante)
Ressecamento do nariz e consequente ferida (chato que só)
Pele extremamente seca (parecia Brasília em agosto com 11% de umidade relativa do ar e sem)
Ardência na pele (como se você esquecido de passar o protetor solar e mesmo assim tivesse passado um dia no sol escaldante de uma praia de Natal)
Pele descascada e escura na palma dos pés (feio)
Dor na juntas, ossos e músculos (horrível)
Prisão de ventre
Boca seca
Falta de paladar
Gosto ruim na boca

Só depois das três primeiras aplicações:
Enjôo (suportável)

Só a partir da quarta aplicação:
Ondas de calor (exasperante)
Olhos escorrendo (constrangedor)
Soluços (esquisito demais)
Inchaço das pernas e pés
Pontas dos dedos dos pés e mãos doloridos e sem sensibilidade
Insônia
Diarréia leve
Unhas arroxeadas e ressequidas

Quem sabe essa lista pode ajudar alguém a entender o que passa uma pessoa sob tratamento quimioterápico. Se não servir para mais nada, vai pelo menos me lembrar o quanto estou me sentindo bem agora em relação a três semanas atrás.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Tatuagem

Há uma pequena lista de coisas que eu não entendo. Uma delas é porque há gente que se tatua ou, pior, paga para ser tatuado. Essa semana, depois do início do meu tratamento radioterápico, esse mistério ficou ainda maior.

Para aplicar os raios X e elétrons de forma mais precisa, as enfermeiras me tatuaram seis pontos minúsculos do peito. Se entendi direito, os pontos servem como coordenadas para posicionar a máquina que emite os raios e assim evitar que eles atinjam artérias vitais do meu peito, ombro e pescoço.

A tatuagem de cada um desses pontinhos provocou uma dor rápida mas, na minha opinião, muito forte. Só de pensar que há quem cubra o corpo todo com essas queimaduras dolorosas me dá arrepios.

As tatuagens foram o que de mais desagradável aconteceu nessa primeira semana de radioterapia, em que recebi cinco aplicações. Agora só faltam 19 das 24 aplicações previstas.

De segunda a quinta, depois do tratamento, fui para o trabalho, que fica a cinco minutos de bicicleta do hospital. Isso fez com que tivesse a impressão de que a vida está lentamente voltando ao normal.

sábado, 9 de agosto de 2008

Enfermeiras

Desde que fui operada estou querendo escrever sobre as enfermeiras dinamaquesas. É difícil fazer isso sem ser piegas, mas acho que vale a pena correr o risco. Sobre o sermão da Eva já escrevi, mas preciso também comentar o gesto da Mette que ontem, na minha chegada à clínica de oncologia, segurou minhas mãos me cumprimentando.

Na hora nem pensei no gesto, que aconteceu de forma bem natural. Logo depois me veio à cabeça que um gesto daqueles não é muito usual para um dinamarquês. Foi também a Mette que, semanas atrás, antes de entrar de férias, me deu um abraço quase se desculpando porque não estaria trabalhando quando eu fosse receber meu último tratamento quimioterápico.

Me lembro também da Regina (que aqui se pronuncia “reguina”), aquela dos olhos azuis enormes, cabelos curtos pintados de preto. Ela me atendeu no período pós-operatório e foi ela quem tirou o curativo que cobria a cicatriz que ficou no lugar do meu seio esquerdo. Em diversos momentos, sua sensibilidade e atenção tornaram aqueles dias tristes depois da operação mais fáceis de suportar.

Acho que as enfermeiras dinamarquesas exercitam todo seu “calor humano” com os pacientes, o que não se pode dizer dos médicos dinamarqueses que tenho encontrado. Eles sempre mantiveram uma ralação profissional mas, na minha opinião, exageradamente distante dos pacientes.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Resultado

Boa notícia. Boa não, excelente. Hoje fomos ao hospital para, entre outras coisas, saber os resultados dos exames que fiz na semana passada. Não acharam nadinha, nem um pontinho de células cancerosas. Viva! Parece que a quimioterapia funcionou e deu cabo daquele carocinho que havia aparecido no meu ombro esquerdo.

Hoje começo a tomar os comprimidos do tratamento anti-hormonal, amanhã de manhã recebo a primeira dose de herceptin e na segunda começa a primeira das 24 sessões de radioterapia. O tratamento vai durar cinco anos e as doses de herceptin vão se repetir a cada três semanas durate um ano.

É, ainda há muita coisa pela frente mas, se tudo der certo, nunca mais precisarei passar por uma quimioterapia novamente. Aleluia!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Calores

Acho que é errado escrever calor no plural, mas vou me dar essa licença. É que no auge da agonia térmica em que essa quimioterapia me jogou, essa licença de número é perfeita para descrever o que venho sentindo: calores.

Esses calores foram uma das novidades desagradáveis trazidas pela quarta sessão de quimioterapia, quando a medicação mudou para um produto cujo princípio ativo é o docetaxel. Eles vêm o dia todo, mas principalmente no final da tarde e começo da noite. São eles os principais responsáveis pelas noites mal dormidas dos últimos dois meses.

Sempre me atacam pelas batatas das pernas. Aí vão subindo devagar pelas coxas, nádegas e chegam ao auge quando atingem a nuca e alcançam minha cabeça careca. Nossa jisus! Se o demo tem hálito, deve ser tão quente e desagradável quanto esses calores.

Os calores não me deixam ter horas seguidas de sono. Durante a noite, me acordam a cada duas horas. Aí sou obrigada a me levantar, beber água, andar um pouco pela casa, abrir uma janela e colocar minha careca para fora para pegar o ar fresco da noite. Depois volto para cama e espero o sono voltar.

Os calores podem ser um sinal de que a quimioterapia antecipou minha menopausa ou apenas um dos trocentos efeitos colaterais do tratamento. Só o tempo dirá.