segunda-feira, 27 de outubro de 2008

De pai para filha para neta

Um dia desses minha filha, depois de já deitada, me pediu para lhe levar água. O pai, acho que para me poupar, se antecipou e atendeu ao pedido dela levando-lhe água num copo comum. Ela reclamou. Queria beber água num copinho pequeno, que ela acha lindo, normalmente usado para servir aguardente dinamarquesa. O pai bateu o pé e disse que não, o que provocou uma choradeira.

Achei uma pena. No dia seguinte ela pediu novamente água no copinho. Dessa vez me adiantei ao pai e fui servir-lhe água no copinho. Ela adorou, bebeu a água com alegria e depois caiu no sono, não sem antes, é claro, tentar puxar conversa.
Senti que meu pai aprovaria eu ter me rendido àquele pequeno capricho da neta. Numa situação semelhante, ele teria feito o mesmo: servido água no copinho. Afinal, ele foi o pai de pequenos e inesquécíveis mimos.

Um desses mimos era o de "fazer laranja com copinho". Para as crianças, toda laranja que ele descascava tinha de ter copinho, que ele fazia formando um pequeno cone no topo da laranja. Adorávamos laranja com copinho, que obviamente tinha muito mais sabor do que uma laranja sem graça descascada de maneira mais tradicional.

Até comer alface podia era divertido porque tínhamos direito a fazer trouxas de comida com as folhas de alface. Era só colocar o arroz e o feijão em cima da folha, puxar as bordas e pronto. Estava feita a trouxinha de comida. Uma delícia, nós achávamos.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Dias escuros

No domingo termina o horário de verão aqui na Dinamarca. Será hora de sairmos de irmos à caça de todos os relógios que guiam nossas vidas: os dois despertadores digitais na cabeceira da minha cama, o relógio do vídeo player (é, incrível não? Ainda tenho um video), o relógio do carro, o celular, o MP3, o telefone do trabalho, os telefones de casa etc

Só de pensar na mudança sinto arrepios. Nem tanto por causa da mudanca de horário, mas pelo que ela significa. Para mim, é o anúncio da chegada do inverno e da escuridão trazida por ele.

A partir da segunda, quando voltarmos do trabalho para casa, teremos necessariamente de usar lanternas nas bicicletas para evitar multas e não correr o risco de atropelamento por carros e caminhões.

É nessa época que mais acontecem acidentes fatais com ciclistas e pedestres aqui na Dinamarca. As pessoas ainda estão desacostumadas com a escuridão e, com a mudança do horário, a situação fica ainda mais grave. Nos meses mais escuros, dezembro e janeiro, o dia só fica mesmo claro depois das oito da manhã e às quatro e meia da tarde já está escurecendo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Começando o dia

O despertador toca às 6:45 mas eu já estou acordada desde as seis e quinze. Um calor enervante me despertou meia hora antes do planejado. O mesmo calor me tirou o sono duas vezes na noite passada. Nada extraordinário. Ter meu sono perturbado por essas malditas ondas de calor já estão virando parte da rotina.

Fico enrolando na cama mais uns dez minutos e finalmente me levanto. Troco de roupa rapidamente, pego meu aparelhinho de MP3 e vou na direção do lago aqui perto de casa.

Embora a manhã esteja bem fria, deve fazer uns seis graus, o jogo de jogging é suficiente para enfrentar a temperatura baixa. Pelo menos para isso essas ondas de calor irritante servem.

Mas preciso me apressar. A onda de calor já está indo embora e para não congelar decido andar só um minuto, ao invés dos dois previstos no meu programa de treinamento, antes de correr mais 10 minutos, andar outros dois, correr mais nove e finalmente caminhar o resto do caminho para casa.

Enquanto corro procuro os gansos que cruzaram tantas vezes o meu caminho quando corri aqui no verão. Não vejo nenhum deles. Acho que todos, bem mais espertos do que eu, já se mandaram para umas quebradas mais quentes do que essas. Fico levemente aliviada. Os gansos que vivem às centenas nas margens do lago durante as estações mais quentes do ano não são muito simpáticos. Quase sempre, quando cruzo o caminho deles, me olham com aquele olhar agressivo e desafiador de ganso, levantam o rosto e gritam se preparando para o ataque. Também não tive o prazer de ver nenhum cisne, outra ave que vive por aqui. Apenas os patos continuam impávidos, resistindo ao frio.

Essas corridas três vezes por semana estão começando a fazer parte da minha rotina. É duro sair da cama e enfrentar o frio e às vezes a chuva, mas sempre vale a pena respirar o ar fresco e admirar as luzes do amanhecer outonal da Dinamarca.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Fruta do pé

Outubro: outono na Dinamarca, primavera em Brasília, era na minha infância tempo das primeiras chuvas e também de começar a abandonar os cremes hidratantes e a banha de cacau que protegia a pele da falta de umidade do ar que atinge o cerrado entre maio e setembro.

Era também o mês de começar a colher fruta do pé. Me lembro que uma vez fomos com meus pais a Planaltina, uma antiga cidade goiana incorporada pelo Distrito Federal quando a capital do país se mudou para o planalto central.

Não me lembro do motivo ou de quem fomos visitar, mas o que importava mesmo era andar pelos quintais vastos, com árvores frondosas e cheios de jaboticabeiras enormes. Alías, como a jaboticabeira é bela. Comíamos jaboticaba até enjoar. Para matar a saudade e sabendo que ficaríamos sem provar da fruta até a estação ano seguinte.

Em Copenhague, outono é época de maçã, pelos menos aqui em casa. É hora de sair juntando as maçãs que não páram de cair dos dois pés do quintal. Em setembro já dá para colher de um dos pés uma maçã deliciosa à qual até eu, que não sou lá grande fã da fruta, me rendo. A Gabriela é a maior fã e usuária da árvore: às vezes passa o dia rondando a macieira, sempre comendo uma maçã colhida do pé. A outra macieira, que aqui chamam Belle de Boscop, é uma árvore antiga que, segundo nosso vizinho, deve ter a idade da casa: mais ou menos 70 anos. É uma árvore grande, que todo ano fica carregada de frutas grandes e esverdeadas, meio ácidas, boas para tortas e bolos.

Nessa época, o vizinho da frente sempre enche baldes de maçãs do quintal dele e as oferece aos vizinhos colocando-as no passeio em frente à casa dele, uma oferta que muita gente ignora por conta da abundância de maçãs nos quintais do bairro. Eu prefiro levar caixas e caixas de maçãs para colegas de trabalho e amigos. Dá um pouco de trabalho, mas é sempre um sucesso.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Normalidade

Hoje, no meio da correria do dia, tive a sensação de que minha vida estava voltando ao normal. Mas aliás, o que é mesmo voltar à vida normal? Já ouvi e também já disse a mim mesma diversas vezes que agora, com o fim da quimio e da radioterapia, a vida poderá voltar a ser como antes.

Mas no fundo sei que isso é papo furado. Minha vida sofreu uma reviravolta e, com o perdão do clichê, nunca será como antes. Além de problemas físicos que talvez tenham vindo para ficar, há aquele medo que, parece, veio para me acompanhar por algum tempo. É o medo da vulnerabilidade, de que tudo volte a acontecer. É um medo que prefiro ignorar, mas que está ali, por perto, à espreita.