segunda-feira, 23 de março de 2009

Pouco mais de um ano depois

Se passou um pouco mais de um ano depois da operação que me deixou, costumo dizer brincando, mais despeitada do que sempre fui.

No ano passado, antes de toda essa maratona de tratamento, as enfermeiras me disseram que, para evitar que eu ficasse atordoada e confusa com um bombardeio de informações, depois de cada fase do tratamento que eu terminasse, elas iriam me dar detalhes da fase seguinte.

Bem mais tarde é que percebi que isso não passava de uma estratégias que médicos e enfermeiras usam para conseguir levar os pacientes até o final do tratamento. Eles não mentem, mas também não contam a verdade de uma só vez.

Foi assim antes de ser operada. Me falaram que eu perderia um seio, me prepararam para as dificuldades do período pós-operatório e do treinamento ao qual teria de me submeter para recuperar o movimento do braço e ombro esquerdos. Me avisaram que eu teria de passar pela quimioterapia e radioterapia, mas não entraram muito em detalhes.

Semanas depois da operação começaram a me encher de informações sobre a lista quilométrica dos efeitos colaterais da quimioterapia. Depois da quimioterapia, quando achei que o que faltava do tratamento era fichinha, me prepararam para a radioterapia que, no final das contas, não achei assim tão fácil como eu havia previsto.

Um ano atrás, eu sabia que iria passar por alguns dos meses mais difíceis da minha vida. Mas não imaginei que seriam tão difíceis.

Um ano atrás, eu me achava mais forte e resistente do que acabei descobrindo que eu era.

Mas esse ano não foi só de dor e mal estar.

Um ano atrás eu não sabia que tinha tantos amigos. Não sabia que havia tanta gente que se importava e se preocupava comigo.

Eu achava que minha família sempre estaria comigo para o que desse e viesse. Mas esse ano me trouxe a certeza de que eles sacrificariam o que fosse necessário para estar ao meu lado.

Pouco mais de um ano atrás eu talvez me sentisse mais solitária e menos amada.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Linfedema

Aleluia! Hoje finalmente me livrei da faixa que vinha cobrindo meu braço esquerdo por mais de quatro semanas e comecei a usar um tipo de braçadeira e luva de compressão feitas sob medida para manter o linfedema sob controle.

Como parte do tratamento contra o linfedema, tive que andar por 30 dias , quase 24 horas por dia, com o braço esquerdo enfaixado. O enfaixamento, composto de gaze coberta por uma camada de algodão que, por sua vez, era coberta por uma compressa elástica deixou meu braço pesado e com os movimentos limitados. Além disso, a pele sob o enfaixamento coçava horrores e, como as faixas cobriam parte da mão, até a metade dos dedos, diversas atividades e tarefas rotineiras como fazer comida, dar banho na Gabi ou simplesmente lavar as mãos depois de uma mijadinha ficaram seriamente afetadas.

Para fazer comida e dar banho na Gabi tive que usar uma luva de plástico. Depois das idas ao banheiro, lavava como podia a mão direita e na esquerda borrifava álcool para desinfetar.
Vestir e tirar o casaco de inverno se tornou uma luta e, para meu constrangimento, algumas vezes tive que pedir ajuda porque a manga ficava presa na mão coberta pela faixa tripla. Meu vestiário nas últimas semanas limitou-se a três camisetas e blusas cujas mangas eram largas o suficiente para dar espaço para meu braço engordado pela faixa. E as ondas de calor, que continuam me molestando, ficaram ainda mais desagradáveis no braço coberto pelo enfaixamento.

O tratamento incluiu também duas semanas com sessões diárias de fisioterapia, o que complicou bastante o dia-a-dia. Todo dia, antes ou depois do trabalho, fui à fisioterapeuta, onde tirava as faixas, tomava banho e recebia a massagem chamada drenagem linfática. Depois a fisioterapeuta me enfaixava. Nos finais de semana, eu mesma me enfaixava.

Toda essa novela era para ter durado duas semanas mas a entrega da braçadeira e da luva, que eu esperava iria demorar uma semana, levou três semanas para acontecer. Para não correr o risco de colocar todo o tratamento a perder, continuei usando o enfaixamento.
Pelo menos todo esse trabalho está dando bons resultados. O inchaço diminuiu bastante e é quase imperceptível. De qualquer maneira terei de continuar usando a braçadeira e a luva por mais um bom tempo para ter certeza que o linfedema está sob controle. Também tenho de aprender a viver com a possibilidade de o braço voltar a inchar e a tomar precauções para evitar que o linfedema aumente.

Aliás, um site em português com boa informação sobre o linfedema é vivacomlinfedema.com/

segunda-feira, 9 de março de 2009

Seis horas

Acordei no meio da noite. Em mais uma das minhas estratégias para tentar dormir melhor, tinha me prometido que quando acordasse durante a noite por causa de uma onda de calor, não iria conferir as horas. Mas não resisti e olhei para o relógio da mesinha de cabeceira. Para minha surpresa eram 5:34. Isso queria dizer que em havia dormido seis horas ininterruptas. Nossa, era um recorde! Fazia semanas que eu não dormia tanto.

Isso foi três ou quatro noites atrás. Desde então voltei ao ritmo de acordar três vezes por noite por causa dessas malditas ondas de calor. Mas ainda assim durmo melhor do que dormia dois meses atrás, quando havia noites em que as ondas de calor me despertavam cinco ou seis vezes. Acho que posso ser otimista quanto às minhas chances de realizar o sonho de voltar a dormir sete, oito horas sem interrupção.

terça-feira, 3 de março de 2009

45, a missão

Na semana passada, no meu trabalho, houve um almoço para comemorar o aniversário de uma colega que completou 60 anos. Aqui na Dinamarca é hábito se comemorar o aniversário de funcionários que completam “anos redondos”, ou seja, anos às dezenas (30, 40, 50 etc). Lá pelas tantas, no discurso de agradecimento, essa colega disse que não se importava em estar ficando velha. Pensei com meus botões: será que quando eu chegar aos 60 também vou deixar de me importar com o envelhecimento? No fundo fiquei com uma ponta de dúvida: sera que aquela amiga estava dizendo a verdade?

Seria legal envelhecer com serenidade, como ouço algumas pessoas dizerem que conseguem fazer mas duvido um pouco da minha “elevação espiritual” para isso. Não que eu pense em sair por aí pagando para me esticarem aqui e acolá e lavantarem aquilo outro. Meu medo do envelhecimento não chega a ser maior do que meu medo do ridículo. Mas a perspectiva de ficar e parecer mais velha, ficar mais lenta, fraca e menos disposta e todas as coisas ruins que associamos com o avançar dos anos me incomoda.

O que mais me assusta não é o envelhecimento físico, mas o mental. Pensar que com o correr dos anos terei mais dificuldade de aprender coisas novas e que a memória pode falhar me deixa quase irritada.

Para nadar contra a corrente, invento coisas que, dizem, ajudam a manter a mente sã. Escrever é uma delas.