domingo, 26 de abril de 2009

Iraquianos na Dinamarca

Um artigo da jornalista Anita Bay Bundegaard, no jornal dinamarquês Politiken, alguns dias atrás, trouxe números que me chocaram: 184 iraquianos vivem há pelo menos sete anos, alguns há 12 anos, num abrigo para refugiados que tentam conseguir asilo na Dinamarca.

O governo dinamarquês, seguindo à risca sua rígida política de asilo, recusou asilo a esses 184 iraquianos que, no entanto, se negam a voltar para seu país. A Dinamarca não pode obrigar os iraquianos a voltar porque o governo iraquiano não quer recebê-los. Talvez porque já tenham problemas de sobra no Iraque. Enquanto os dois países não se entendem, os iraquianos vivem como párias: têm suas necessidades básicas atendidas mas não podem participar ativamente da sociedade que lhes dá comida, roupa e teto. São proibidos de trabalhar e obrigados a viver no abrigo chamado Sandholm, que alguns dinamarqueses já começaram a chamar de campo de concentração.

A jornalista Anita Bay Bundegaard comparou a questão dos refugiados iraquianos na Dinamarca e no país vizinho, a Suécia. Os suecos receberam 60 por cento de todos os iraquianos que fugiram para a Europa depois da Guerra do Iraque. Desde o início do conflito, a Suécia recebeu mais de 9,000 refugiados. Lá os refugiados têm permissão para trabalhar e morar em residências como o resto da sociedade.

O curioso é que a Suécia não participou da invasão do Iraque. A Dinamarca, ao contrário, foi um dos poucos países europeus a entrar na coalizão que invadiu o Iraque em 2003.

Ironicamente, enquanto a Dinamarca pressiona em vão o governo iraquiano a receber os refugiados de volta, a Suécia e o Iraque assinaram um acordo que prevê o retorno dos refugiados que estão em solo sueco. Aliás, a Suécia já conseguiu que três mil refugiados voltassem voluntariamente para casa.

Na opinião de Anita Bay Bundegaard, ali na Suécia, vivendo como parte da sociedade que os recebeu, os refugiados mantém sua dignidade, podem estudar e tentar se manter no mercado de trabalho e assim se sentem mais fortes e preparados para retornar ao país de origem.

Aqui na Dinamarca, sem poderem trabalhar e à margem da sociedade, os refugiados estão desaprendendo o que sabiam e aprendendo a viver na dependência de uma sociedade que não os quer. Casos de depressão e outros problemas psíquicos são comum entre os refugiados de Sandholm. O relato de uma ex-refugiada, Dina Yafasova, parece confirmar a tese de Anita. Segundo Dina, que acabou de escrever um livro sobre o assunto, "viver num abrigo como o Sandholm não é aparentemente tão ruim. As pessoas tem um lugar para dormir, roupa e comida. O pior de lá, algo que não se percebe imediatamente mas talvez apenas depois de um mês ou coisa parecida, o pior de lá é o clima de prisão”.

Colocar pessoas fugidas da guerra num lugar que parece uma prisão não deve mesmo ser bom para a saúde mental dessas pessoas. O pior é se a “prisão” se estende por dez, onze, doze anos.

É difícil não concordar com Anita.

sábado, 25 de abril de 2009

Atrasos

Esta semana fui novamente ao hospital para receber a décima terceira injeção de hercepetin. Agora só faltam 17.

A trapalhada que causei nas últimas duas vezes que recebi o tratamento parece indicar que estou me cansando dessas idas ao hospital. Na vez anterior, antes de ir para o hospital decidi tirar um cochilo para me recuperar um pouco da noite mal dormida. Deitei para dormir meia hora e caí num sono pesado do qual só acordei cinco minutos depois do horário marcado para estar no hospital. Dei um pulo da cama, me arrumei a jato e, ao invés de pedalar até o hospital, tomei a decisão errada de pegar o carro achando que chegaria mais rápido. Que nada. Peguei um pequeno engarrafamento e ao chegar ao estacionamento do hospital, não havia vagas desocupadas no espaço reservado aos carros dos pacientes. Rodei uns quinze minutes atrás de uma vaga e fui obrigada e estacionar a quase um quilômetro do hospital. Conclusão: cheguei na clínica onde receberia a injeção com mais de uma hora de atraso. As enfermeiras, simpáticas como sempre, não reclamaram e recebi o tratamento como planejado.

Esta semana a trapalhada foi semelhante. Tinha certeza que meu tratamento estava marcado para as 14:30 horas, mas quando cheguei ao hospital, acreditando que estava dando exemplo de pontualidade, uma enfermeira me avisou que já estavam desistindo de esperar por mim. Não entendi e ela explicou que meu tratamento estava marcado para as 13:30 horas. “Ups!”, respondi. Por algum motivo inexplicável, anotei o horário errado na minha agenda e esqueci de conferir o cartão de consultas do hospital, onde o horário havia sido corretamente anotado por uma enfermeira. Novamente, as enfermeiras foram simpáticas e me atenderam sem reclamar.

Eu já havia decidido que, depois da última sessão de herceptin eu iria comprar uma caixa de chocolates para as enfermeiras da clínica onde recebo tratamento como uma pequena demonstração de agradecimento pelo carinho e atenção com que elas têm me tratado. Depois dessa semana, acho que terei de comprar duas caixas.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Mesmice

Logo que soube que estava com câncer, li todos os artigos e reportagens que achava pela frente sobre pessoas que também haviam enfrentado a doença. Eu queria aprender com quem já havia tido câncer como enfrentar o estigma da doença e como superar o tratamento da melhor maneira possível .

Ler tais textos foi inicialmente muito útil. Achei inspiração, dicas e algumas boas informações e sou grata às pessoas que se dispuseram a falar da doença.

Mas depois de algum tempo comecei a me cansar desse tipo de leitura. Nessas reportagens e artigos muitos dos pacientes e ex-pacientes de câncer falam sobre como a vida deles e eles próprios se transformaram depois da doença. Vários contaram como, por exemplo, perceberam o real valor da vida depois que descobriram estar com uma enfermidade que poderia ser fatal. Uma paciente disse como passou a admirar a beleza de uma simples flor. Um outro diz que passou a dar mais valor às pequenas e aparentemente insignificantes coisas da vida. Alguns falam sobre como se tornaram melhores pessoas.

Longe de mim menosprezar ou duvidar das descobertas e conquistas que o câncer tenha trazido a algumas pessoas, mas acho que muitas vezes os textos jornalísticos sobre o assunto mais parecem sinopses piegas de livros de auto-ajuda para leitores com câncer.

Pode ser que meu olhar crítico sobre tais textos seja resultado de um pouco de inveja: não tenho notado em mim todas essas transformações que tantos pacientes contam ter visto em si mesmos. A doença não me tornou, por exemplo, uma “Pollyanna depois do câncer” que só vê lado cor-de-rosa de todos os acontecimentos por que passa.

Claro que não estou passando incólume pelo câncer, mas também não acho que a doença esteja tendo nenhum poder purificador do meu espírito ou alma. Continuo com alguns defeitos que ainda me irritam muito. Dar importância demais a coisas sem importância é um deles. Nos últimos meses percebi que, infelizmente, coisas sem importância continuam me encasquetando muito mais do que deveriam.

Como antes da doença, continuo admirando a beleza de uma flor ou a magnificência do pôr de sol avermelhado de Brasília e valorizando o prazer de estar com as pessoas que amo. Também ainda me debato com mais ou menos os mesmos dilemas e insatisfações de antes do câncer.

Uma coisa talvez esteja mudando. Acho que estou aprendendo a usar melhor o meu tempo, que corre sem parar. Que a vida é curta fica-se ainda mais convencido depois de recebermos um diagnóstico de tumor maligno no seio. Fazer o que é mais importante primeiro se tornou muito importante para mim, embora eu ainda às vezes me encontre na dúvida sobre o que é realmente importante. Mas até mesmo priorizar o que fazer do meu tempo não é algo que, de repente, comecei a fazer no dia seguinte ao diagnóstico de câncer de mama. É algo que ainda estou aprendendo a fazer.

O câncer pode estar desencadeando algumas mudanças no meu modo de levar a vida, mas não foi aquele raio de luz que me transformou numa outra pessoa. Sou a mesma Margareth, nem pior, nem muito melhor, apenas mais grata a várias pessoas queridas, à medicina e ao sistema público de saúde da Dinamarca.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Primavera

Depois de uma semana de férias na Alemanha e depois na Jutlândia, a parte continental da Dinamarca, estou de volta a Copenhague curtindo mais uma semana de folga. Mas, para quem mora em casa na Dinamarca, folga do trabalho raramente significa folga em casa. Abril aqui em casa é mês de, entre outras tarefas, semear flores de verão, colocar vasos de plantas para fora e no terraco, podar e adubar rosas, capinar e cortar a grama. É uma trabalheira danada que eu adoro. Na minha próxima vida nascerei jardineira.

sábado, 4 de abril de 2009

A quentinha e a crise

Sinais da crise na Dinamarca: está deixando de ser feio sair de um restaurante com uma quentinha contendo o resto da refeição que não foi comida.

Anos atrás, quando comentei numa roda de dinamarqueses que no Brasil era comum pedir ao garçom que embalasse o resto da comida numa quentinha, provoquei risadas sarcásticas. Acharam um absurdo, meio ridículo. Pelo olhares senti que achavam que isso era coisa de país de terceiro mundo.

Agora a DR, maior grupo dinamarquês na área de comunicação, com dois canais de televisão e várias estacões de rádio, está promovendo uma campanha para convencer os dinamarqueses de que levar quentinha para casa não é nenhuma vergonha e, dependendo do caso, pode até ser bom para o meio ambiente.

A DR fez uma pesquisa e descobriu o que eu já sabia: que os dinamarqueses ainda acham constrangedor pedir ao restaurante para levar o resto da com ida para casa. Os donos dos restaurantes, ao contrário, se mostram dispostos a empacotar o resto da comida, se os clientes pedirem, o que raramente acontece.

Mas agora, com a crise econômica e aquecimento global talvez a quentinha entre na moda. Ainda mais porque os dinamarqueses adoram copiar o que acontece nos Estados Unidos, onde o hábito da quentinha, que lá se chama doggy bag já se pratica há muito tempo.