segunda-feira, 25 de maio de 2009

Irritação real

Agenda, folhinha para pendurar na parede e calendário dinamarquês tem algo mais do que as datas religiosas e históricas de praxe: têm registrados também as datas de aniversário de pessoas como a Mary, a Isabella, o Christian, o Henrik, o Frederik, o Henrik, o Joaquim e o Felix. A razão pela qual essas pessoas têm seus nomes impressos na minha agenda e no calendário da geladeira aqui de casa é que todos eles são da família real. Mary é a nora, a Isabella, o Felix e o Christian são netos, o Henrik é o marido e o Frederik e o Joaquim são filhos da rainha Margrethe.

Depois de conferir na minha agenda que tenho hora marcada com minha dentista nesta sexta-feira, descobri, sem pedir, que o aniversário do príncipe herdeiro, o Frederik, é amanhã, 26 de maio. Uau!

A primeira vez que vi um calendário em dinamarquês e vi aqueles nomes de pessoas que não me diziam respeito, achei engraçado. Depois veio uma pequena irritação que dura até hoje e se renova a cada mudança de ano quando começo a usar uma nova agenda ou calendário. Por que é que na minha agenda preciso ser lembrada do aniversário de pessoas que representam um estilo de vida e uma tradição com a qual não concordo? É algo tão compulsório quanto a minha contribuição, através dos impostos que pago, para manter a vida ociosa e fútil da família real dinamarquesa.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A pequena Guantánamo no quintal da Dinamarca

Há pessoas vivendo em condições muito mais desumanas pelo mundo afora do que os refugiados que vivem nos abrigos da Dinamarca. Em alguns casos não há muito que individualmente possamos fazer para mudar essas condições. Mas a situação muda de figura quando se é confrontado com o fato de, perto da sua rotinazinha confortável, viverem pessoas, inclusive crianças, cujas vidas estão sendo destruídas por anos e anos de confinamento num abrigo para refugiados.

Sandholm,que fica a apenas 27 km daqui de casa, é um dos abrigos para refugiados na Dinamarca onde 137 crianças tem vivido por mais de um ano. Um estudo da Cruz Vermelha da Dinamarca mostrou que a experiência de viver mais de um ano nesses abrigos é traumática para essas crianças, que dão sinais de problemas psíquicos e sofrem com os traumas sofridos por suas famílias. Um outro estudo, da Anistia Internacional, revelou que quase metade dos que tentam asilo na Dinamarca, sofreram tortura.

A indiferença com que a sociedade dinamarquesa lida com a situação dessas crianças me choca. É impressionante ver como uma sociedade que cuida tanto de suas próprias crianças prefere ignorar completamente o destino das crianças nos abrigos de refugiados. Essa indiferença é ainda mais difícil de compreender porque acontece num dos países mais ricos do mundo que acabou de passar por um período de vacas gordas na área econômica.

Há felizmente exceções a essa indiferença e a mais antiga é a de um grupo que se chama “Avós a favor de asilo (Bedsteforældre for asyl) que desde 2007 faz todo santo domingo demonstrações pacíficas de protesto contra a política para refugiados em frente aos abrigos. Uma outra exceção foi a de um grupo de jovens que no ano passado tentou fechar simbolicamente o abrigo de Sandholm. A manifestação foi abortada pela polícia e criticada por muitos pelo caráter “violento”.

Mais recentemente, um grupo liderado pela jurista Eva Smith, Crianças refugiadas fora dos abrigos agora (Asylbørneneudnu.dk) , está começando um movimento mais amplo para pressionar o governo dinamarquês a tirar as crianças dos abrigos e proporcionar a elas e suas famílias uma vida normal e tratamento médico para que possam superar os traumas físicos e psíquicos que viveram. A meta do grupo é conseguir 500.000 assinaturas, que corresponderiam a mais ou menos dez por cento da população dinamarquesa.

Segundo Eva Smith, a situação das crianças refugiadas é a “pequena Guantánamo no quintal” dos dinamarqueses. Numa entrevista ao jornal dinamarquês Politiken, Eva diz que, daqui a 30 anos, as gerações futuras vão olhar para trás e se perguntar: “Por que nossos pais não fizeram nada para ajudar essas crianças? Eles sabiam o que estava acontecendo e não fizeram nada”. Tenho medo de imaginar o que minha filha vai pensar de mim.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Balanço

Hoje recebi mais uma dose de herceptin. Agora só faltam três. No final de julho, quando receber a última dose, acho que me sentirei mais leve.

A enfermeira que me aplicou a injeção de heceptin, como é de praxe, me perguntou sobre como eu estava me sentindo ultimamente. Foi novamente hora de fazer uma balanço do meu bem estar. Me surpreendi não tendo muito mais do que reclamar: o inchaço no braço diminuiu e me dei conta de que fazia mais de uma semana que vinha dormindo bem.

As ondas de calor continuam, às vezes quase me deixando louca, mas sinto que aos poucos sua intensidade e frequência estão diminuindo.

Meu corpo dá outros sinais de, finalmente, estar voltando ao normal. Meu cabelo voltou a crescer mais rapidamente, depois de um período com crescimento bem lento. Também tenho percebido que as dores dos músculos das pernas, que tem me acompanhado desde a quimioterapia, estão mais fracas.

As mudanças para melhor estão acontecendo bem mais lentamente do que eu gostaria, mas pele menos estão acontecendo.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Festa

Fizemos uma festa aqui em casa no sábado passado. Na falta de um motivo, dissemos que a festa era para comemorar a primavera que, afinal, chegou à Dinamarca. A propósito, abril foi o mês mais quente e com mais horas de céu ensolarado deste país desde que começaram a registrar o clima, mais de dois séculos atrás. A temperatura média atingiu 9,4 C e foram 272 horas de céu claro. Para se ter uma ideia, no período 1961-1990, a temperatura média em abril foi de apenas 5,7 °C e as horas de céu claro não passaram de 162 horas.

Em suma, o Henrik, eu e nossos convidados, entre brasileiros, dinamarqueses e colegas de vários países do meu trabalho, tínhamos bons motivos para comemorar, mesmo porque aqui na Dinamarca é bom celebrar o bom tempo antes que ele acabe. Há quem faca piadas dizendo que, em alguns anos, temos sorte porque o verão cai num fim de semana.

Minha filha passou a noite na casa de uma tia do Henrik, o que nos deu liberdade para cantar berrando alguns dos sambões que colocamos para tocar. ”Aquarela Brasileira”, de Sila de Oliveira, na voz de Martinho da Vila, por exemplo, ou pular como loucos ao som das Frenéticas cantando “Dancing Days”.

Dancei como há muito tempo não dançava mas lá pelas tantas senti um cansaço anormal nas pernas, o que me fez lembrar que os efeitos da quimioterapia, ou da menopausa antecipada pelo tratamento, ainda incomodam.

Uma amiga que me ligou no dia seguinte e disse que se impressionou com meu pique. ”Era como se fosse a sua última chance de dançar na vida”. Achei graça. Talvez eu devesse fazer isso mais vezes: dançar como se fosse a última vez.