terça-feira, 30 de novembro de 2010

Biscoitos da discórdia

Preciso registrar que o partido político dinamarquês Danske Folkeparti (DF) está conseguindo se exceder em suas demonstrações ridículas de aversão aos estrangeiros. Mas também preciso escrever que, aparentemente, tanta xenofobia está - aleluia, finalmente, afinal, até que enfim, já não era hora – provocando alguma reação da população dinamarquesa.

Leia mais: http://blogadona.wordpress.com/2010/11/30/biscoitos-da-discordia/

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Flores sem nome

Levei quase 40 anos e uma mudança de país para descobrir o nome das flores brancas e cores-de-rosa que eu colhia no caminho que me levava à chácara da minha avó materna, a Dona Ozita. As flores eram sempre bom motivo para uma parada estratégica no caminho que fazíamos da casa dos meus pais, na Vila Matias, ao final da Vila Dimas, onde ficava a chácara.

Leia mais: http://blogadona.wordpress.com/2010/11/23/flores-sem-nome/ 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Só para os ricos e letrados

Bingo! O que parecia impossível aconteceu. Os partidos que participam do governo dinamarquês conseguiram tornar a lei de imigração da Dinamarca ainda mais rígida. A partir do próximo ano, vai ficar ainda mais complicado e difícil para um estrangeiro que se casar com um dinamarquês ter o direito de viver na terra do patinho feio. 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Xenofobia parabólica

Depois de viver mais de treze anos na Dinamarca acho que já posso dizer que estou começando a conhecer bem este país. No final de setembro (ver ”Sustos outonais”) eu falava da minha preocupação sobre que medida o partido de extrema direita Danske Folkeparti (Partido do Povo Dinamarquês) iria defender este ano para constranger e prejudicar os imigrantes. A proposta apresentada naquela época, de tirar dos estrangeiros o direito a qualquer serviço oferecido pelo estado, o que inclui acesso aos sistemas públicos de educação e saúde, ainda está em discussão, infelizmente agora com o apoio do ministro da Receita, mas nas últimas semanas o partido veio com mais propostas de cair o queixo.

Para ler mais, clique aqui http://blogadona.wordpress.com/2010/11/04/xenofobia-parabolica/

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mudança de estação

Não sei se foi apenas minha impressão, mas achei o outono deste ano em Copenhague especialmente bonito. O outono aqui é sempre belíssimo mas os tons diversos tons de amarelos, laranjas e vermelhos que tomam das ruas e parques de Copenhague foram este ano particularmente vibrantes e belos.


Leia mais: http://blogadona.wordpress.com/2010/11/02/mudanca-de-estacao/

sábado, 30 de outubro de 2010

Pequena homenagem

Vou votar na Dilma nas eleições no domingo. Tenho muitos motivos para fazê-lo, mas um deles é também a lembrança das minhas avós, que criaram seus filhos praticamente sozinhas. Minhas avós eram mulheres fortes, trabalhadoras, honestíssimas e pobres de marré deci. Às vezes fico pensando em como a vida delas teria sido menos dura se elas tivessem tido acesso a algum tipo de apoio para, por exemplo, manter os filhos na escola.

Não estão dizendo que quem vota na Dilma é pobre? Portanto vou me manter fiel à minha ascendência social e homenagear minhas saudosas avós com meu voto.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Holofotes

As luzes dos holofotes nunca se acenderiam para ela. Agora ela finalmente começava a se conformar com o fato de que seu grande dia nunca chegaria. Sua vida passaria tão desapercebida que não iria merecer nem um obituário escrito na língua que não gostava no jornal do bairro da cidade onde não havia escolhido viver.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pulando do muro

Há vários dias estou me coçando para escrever sobre as eleições no Brasil, mas a correria no trabalho e um computador pifado têm me impedido de discorrer sobre minhas impressões. No final das contas, há tanta gente escrevendo sobre o assunto que até perdi a graça. Não há muito mais o que dizer depois do artigo “Dois pesos” da Maria Rita Kehl.

Depois veio o artigo do Jorge Furtado "Dez falsos motivos para não votar na Dilma”, publicado em julho, mas que só vi na semana passada.

Por conta do trabalho, entrevistei uma brasileira que, durante a ditadura, assim como a Dilma Roussef, por conta de sua militância, foi presa e torturada. O relato quase me emocionou muito e me fez pensar na injustica que se faz a pessoas como elas que tiveram a coragem de reagir e resistir à ditadura militar. Me peguei pensando se, numa situação semelhante, eu teria a mesma coragem que elas tiveram.

Aí não deu mais para ficar em cima do muro vendo a banda passar e acabei acrescentando um twibbon no meu facebook. E  Aí não deu mais para marinar em cima do muro e acabei acrescentando um twibon no meu facebook. E, para fechar com chave de ouro, uma ilustracão que achei no http://josecarloslima4.blogspot.com/2010/08/viral-dilma-pop.html e do http://faltandoteclas.wordpress.com/2010/08/15/campanha-dilma-cortesia-revista-epoca/

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Esconderijo

Se eu continuar aqui, bem quietinha, ninguém vai me ver. Lá vem o meu primo Agnaldo. Ele é esperto mas desta vez consegui ser mais esperta do que ele. Hum, ele agora encontrou mais um, meu outro primo, o Selton. Daqui a pouco é a vez da minha irmã. Do jeito que é medrosa não vai conseguir ficar muito mais tempo no escuro debaixo daquele tambor virado. Nossa, pensando bem, mesmo que ela fosse corajosa, acho que ela não conseguiria ficar lá embaixo muito tempo. Ela pode ficar sem ar e vai ter de sair de qualquer maneira do esconderijo. Só espero que aquela chata consiga sair sozinha senão vou ter de sair do meu esconderijo maravilhoso para salvá-la do sufocamento. Ou será asfixia? Preciso olhar no Aurélio.

Leia mais no http://blogadona.wordpress.com/2010/10/07/esconderijo/

sábado, 2 de outubro de 2010

Imprensa livre

Hoje um dos principais jornais da Dinamarca, o Politiken, traz reportagem de página inteira sobre as eleicões amanhã no Brasil. A reportagem é acompanhada de um artigo de opinião do editor internacional do jornal, Michael Jarlner que, entre outras coisas, diz que o Brasil é um exemplo de como se pode alcancar desenvolvimento econômico sem abrir mão da democracia. Ele compara a China, onde já controle rígido da oposicão, ao Brasil, onde há livre debate.

Leia mais no http://blogadona.wordpress.com/2010/10/02/imprensa-livre/

sábado, 25 de setembro de 2010

Sustos outonais

Todo ano, mais ou menos nesta época, início do outono europeu, começam as discussões no Parlamento dinamarquês sobre a divisão do orçamento público federal para o ano seguinte. E todo ano, desde que a direita assumiu o poder na Dinamarca, é tempo de eu me preocupar sobre o que vai sobrar de ruim para os estrangeiros dessas discussões.

Leia mais no http://blogadona.wordpress.com/2010/09/25/sustos-outonais/

sábado, 18 de setembro de 2010

O povo mais amigável do mundo?

Por que se dar ao trabalho de escrever novamente sobre o estranho comportamento social dos dinamarqueses, como fiz no posting anterior? A razão foi uma entrevista com o roteirista e escritor dinamarquês Lars Andreas Pedersen, que acabou de lançar o livro “Fucking flink” (perdão aos mais sensíveis pelo palavrão, mas minha tradução é: “Amável do caralho”) que tem uma missão: transformar os dinamarqueses no povo mais amigável do mundo.

Leia mais no http://blogadona.wordpress.com/2010/09/17/o-povo-mais-amigavel-do-mundo/

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pequenas gentilezas

Anos atrás ouvi de um colega europeu, cuja nacionalidade nem me lembro mais, uma opinião pouco lisonjeira sobre nós brasileiros. As palavras usadas ficaram perdidas no tempo, mas o significado do comentário foi mais ou menos esse:

”- Brasileiro cumprimenta festivamente todo mundo, sai convidando quem encontra pelo caminho para jantar mas depois some e nunca mais aparece. Se um brasileiro diz que é seu amigo do peito, o melhor é não levar muito a sério.

Leia mais:  https://blogadona.wordpress.com/2010/09/16/pequenas-gentilezas/

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sete de setembro

Brazilian flag in BRASÍLIA, Brazil (6)
Image by JorgeBrazil via Flickr
Acho que a primeira vez que me senti como brasileira deve ter sido pouco tempo depois de 1970 e a razão não foi a terceira conquista da Copa do Mundo pelo Brasil naquele ano. Me lembro quando meus pais levaram a minha irmã e eu da cidade satélite de Taguatinga, onde morávamos, ao Plano Piloto da capital do Brasil para assistir à parada militar. Era 7 de setembro, data nacional do Brasil, quando nas escolas as crianças ouviam que deveriam prestar homenagem à grandeza do país que eu mesma estava começando a amar.

Há duas imagens do meu primeiro desfile militar que ficaram na minha memória: as bandeiras e um rosto. O governo distribuía milhares de bandeirinhas do Brasil para o público do desfile. Como toda criança, eu adorava sair andando com uma ou várias daquelas bandeirinhas verdes e amarelas e sempre tentava ganhar o maior número possível delas.

O rosto era o do presidente brasileiro na época – o general Emílio Garrastazu Médici. Não sei se eu realmente me lembro disso ou se eu criei na minha mente a impressão de que eu vi nitidamente o rosto do general naquele 7 de setembro. Se eu tivesse perguntado ao meu pai, ele provavelmente teria dito que aquela imagem só existia na minha imaginação, já que o público não tinha autorização para chegar perto do presidente. Resultado ou não da minha imaginação, a face do presidente Médici ficou na minha memória associada ao 7 de setembro, uma ligação que de certa forma viria a destruir o meu prazer de celebrar o Dia da Independência do Brasil.

Como criança, eu via o rosto do presidente Médici como a de um homem sério e merecedor de respeito que me inspirava confiança e sensação de segurança. Quando seu mandato terminou, em 1974, eu quase me senti triste porque o novo presidente, o também general Ernesto Geisel, parecia sempre tão severo, rígido e com um ar ressentido.

Mas alguns anos mais tarde eu descobriria que naquele 7 de setembro, enquanto minha família e eu estávamos ali acenando para o presidente ao levantar nossas bandeirinhas sob o céu sem nuvens de Brasília, havia outros brasileiros que não tinham nada o que celebrar. A presidência de Emílio Garrastazu Médici correspondeu ao período mais repressivo da ditadura militar que dominou o Brasil de 1964 a 1985. Seu governo (1970-1974) foi responsável pela tortura de milhares de pessoas, pelo desaparecimento e assassinato de militantes de esquerda, pela censura da imprensa e pela revogação dos direitos políticos dos que ousavam contestar o regime militar. Estima-se que mais de 10 mil brasileiros foram obrigados a deixar o país e procurar exílio para fugir da repressão.

Quando, na minha adolescência, comecei a descobrir o que meu país havia passado durante o governo Médici, eu me senti ludibriada e com raiva. Eu não consegui aceitar que alguém que tinha a missão de proteger os cidadãos de seu país, na verdade estava dando ordens ou, no mínimo, permitindo que esses cidadãos fossem perseguidos, torturados e até mesmo assassinados.

Somente pouco tempo atrás, depois de trabalhar alguns anos no Conselho Internacional para Reabilitação de Vítimas de Tortura (International Rehabilitation Council for Torture Victims - IRCT), eu comecei a me perguntar se aquela desapontamento de criança teria tido alguma coisa a ver com as minhas escolhas profissionais. Talvez eu tivesse de qualquer maneira escolhido trabalhar para uma organização de direitos humanos mas eu acredito que aquele mito infantil desfeito de alguma maneira me direcionou a sempre tentar trabalhar para que mentiras, tortura e repressão nunca mais desonrem o país onde nasci e que eu amo.

PS: A versão original deste publicada em inglês no site do IRCT.
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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Mais um capítulo

Céu de outonoHoje está fazendo cinco dias que voltei do hospital, onde fui internada para a segunda e última cirurgia plástica para reconstrução da minha mama. Tudo correu bem e mais uma vez me impressionei com o profissionalismo e amabilidade da equipe médica, especialmente dos enfermeiros, que me atendeu.

Gostaria de considerar essa cirurgia como o capítulo final do meu tratamento contra o câncer de mama e, se eu considerar apenas internações hospitalares, acho mesmo que posso acreditar que isso é verdade. Mas sei que briga ainda não terminou. Embora minha doença não tenha sido associada a meu estilo de vida, considerado saudável, depois do câncer de mama me tornei ainda mais atenta a fatores que comprovadamente ou não podem influenciar o reaparecimento de células cancerosas.

Acho que consegui melhorar minha alimentação e condicionamento físico, dois fatores que, de acordo com estudos científicos, poderiam estar relacionados à ocorrência de câncer. Mas preciso aprender a relaxar mais e dormir mais para evitar o stress, outro fator possivelmente relacionado ao câncer.
Preciso aprender a desistir de projetos e, ao mesmo tempo, ser mais objetiva nos projetos que decidir levar adiante. Preciso ser menos exigente comigo mesma, planejar e organizar menos o que pouco ou nada importa, e concentrar energia e tempo no que me faz feliz. É, ainda há muito a aprender.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O mundo lá fora

Vaso com tulipasHá engarrafamentos no mundo lá fora. Posso vê-los, bem em frente e abaixo da minha janela. Há também ciclistas velozes que lá longe passam em fila indiana. Bem sei que não pedalam resignadamente enfileirados. Ao contrário lutam e disputam espaço na ciclovia.

Há muitas torres no mundo lá fora. Meus olhos míopes me dizem que são pelo menos 23 torres, de todos os tamanhos e idades. Bem sei que há mais, muitas mais nesta cidade que alguns apelidaram de cidade das torres.

O sol às vezes brilha no mundo lá fora, mas o casaco daquela senhora que passa me diz que as temperaturas outonais já chegaram.

Lá fora há velocidade, não há tempo a perder.
Aqui, o tempo não é veloz nem vagaroso. É marcado pela dor que chega periodicamente, sempre que os efeitos dos analgésicos estão para acabar e, principalmente, pelos passos no corredor. Os passos no corredor podem ser apressados ou lentos. São os passos das dezenas de pessoas em roupas brancas que vão e vêm. Pessoas gentis e prestativas, mas fora do meu alcance.

Há também os outros, ainda mais distantes, se movendo pesadamente em robes listrados, floridos e coloridos, e que se reservam o direito de se manter enclausurados e silenciosos.
Não sei se tenho saudade do mundo lá fora, embora o mundo aqui seja paralisante. É um mundo com muitas horas solitárias, interrompidas por visitas conversadeiras e animadas.

O mais que faço é esperar. Há aqui muitas esperas, algumas longas, outras nem tanto. Se está sempre a esperar alguém ou algo e nada se pode apressar: o sangue que pinga, a rápida consulta do médico, a comida servida na bandeja, o remédio para levar a dor, a visita que está para chegar.

Estou, estacionada, a esperar, sem poder ir ao encontro da visita, atrás do médico, preparar minha comida, buscar meu remédio nem estancar a ferida.

Tudo tem tempos que não controlo. Estranhamente, isso não me aflige. Talvez ainda sofrendo os efeitos da anestesia, me conformo com as esperas.

Mas, na hora de talvez sair para o mundo lá fora, as horas resolvem se atrasar ainda mais, se rastejam numa demora exasperante. Me impaciento com a médica que já deveria ter vindo mas nunca chega. Sera que se esqueceu de fazer a ronda matutina?

O mundo aqui neste quarto de hospital é um grande teste para a minha paciência.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Feijão cozido

FeijãoImage by marcelo träsel via Flickr(...) Um pensamento escapuliu: “Além disso, será que alguém ia querer comer um feijão congelado que havia sido cozido por uma pessoa morta?” (...)
Leia mais no https://blogadona.wordpress.com/2010/08/31/feijao-cozido/
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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Caça ao macacão

Landscape in Denmark in December (waterhole in...Image via Wikipedia
Tentei ignorar, resistir, negar e fingir que não era comigo, mas agora não dá mais. O verão dinamarquês 2010 está acabando. A temperatura dos últimos dias, de 15 a 18 graus centígrados, mais uma ventania sem fim me obrigaram a encarar o fato de que, mais uma vez, como tem acontecido há 13 anos, o inverno vai voltar.

É duro aceitar mas é claro que vai voltar, eu sei. Não há mudança climática, aquecimento global ou o que quer que seja, que faça o inverno daqui se esquecer de aparecer de vez em quando. Mas eu todo ano não desisto e insisto na esperança de que, quem sabe, talvez um dia algum fenômeno estranho e inesperado aconteça e nos proteja daqueles meses frios, escuros e ventosos que chamam de inverno.

Leia mais no http://blogadona.wordpress.com/2010/08/25/caca-ao-macacao/ 
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domingo, 22 de agosto de 2010

Mudanças no Blogadona

Já há muito tempo venho planejando colocar aqui no blog alguns textos de ficção que me atrevo a escrever de vez em quando. Também em função desses textos, decidi que aos poucos irei mudando o Blogadona do Blogspot para o Wordpress, onde acho que terei mais recursos para a organização do blog em diversas seções.
Estarei colocando tais textos sob a categoria ”Terceira”.

Os textos completos só serão publicados no Wordpress, enquanto o Blogspot terá um texto introdutório ligado ao texto integral.

O primeiro texto da série ”Terceira” estará num dos próximos ”postings” do Blogadona. Espero que curtam.

Descoberta no quintal

Blackcurrants shrubImage via WikipediaUm dias desses cometi uma pequena besteira aqui no blog. Escrevi que tinha dois pés de mirtilo (“blåbær”, em dinamarquês) no quintal aqui de casa. Depois me lembrei que quando decidimos plantar mais árvores e arbustos frutíferos no quintal, chegamos a cogitar plantar mirtilo mas desistimos porque o cultivo do mirtilo requer um solo com pH ácido. Isso exigiria que corrigíssemos o solo e, como aqui em casa somos jardineiros adeptos da lei do mínimo esforço, desistimos do mirtilo e optamos por uma outra fruta, a “solbær” (é assim mesmo que se escreve, com o “a” grudado no “e”, o que dá um som parecido com “é”) que teria mais chances de se adaptar ao solo daqui.

Então, na verdade, o que temos no jardim é a tal da “solbær” e, como meu vocabulário de frutas em dinamarquês não é dos mais ricos, lá fui eu ao Google translate e depois ao Aurélio para conferir o que significa “solbær” em português. E aí veio a surpresa. “Solbær” é a velha, conhecida e familiar groselha. Descobrir que “solbær” é groselha me deu uma alegria de criança porque me remeteu aos meus tempos de menina quando groselha era o nome de uma fruta exótica, de um país distante, provavelmente de clima frio, da qual se fazia um xarope avermelhado usado para preparar refrescos deliciosos que meus pais sempre compravam para alegrar nossas tardes de domingo.

Eu adorava aqueles refrescos, embora desconfie que pouco ou nada tinham da fruta groselha e que provavelmente eram o resultado de uma mistura de açúcar e corantes artificiais. Corantes, aliás, que davam ao refresco aquela cor maravilhosa, um vermelho roseado que tingia nossas línguas. Deliciosos também eram os picolés de groselha que praticamente batiam à nossa porta trazidos pelos vendedores ambulantes.
Já há anos que de vez em quando bebo refresco de “solbær” aqui na Dinamarca sem saber que na verdade eu estava mesmo era saboreando refresco de groselha. Agora, depois de feita a tradução, posso comemorar a sorte de ter duas groselheiras no quintal.

P.S.: Passeando pela internet, descobri que o Ivan Lessa também é fã da groselha
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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Brasília irreconhecível

Nas minhas últimas férias em Brasília, houve momentos em que, sendo levada de carro por uma de minhas irmãs de um bairro para outro, percebi que não sabia onde estava. A cidade onde nasci, que conhecia como a palma da minha mão, está se transformando de forma tão rápida e desenfreada, que está ficando irreconhecível.

Quando falo de uma Brasília irreconhecível não me refiro apenas à Brasília planejada dos cartões postais, aquela do Plano Piloto em forma de avião, onde estão as belas sedes do legislativo, executivo e judiciário. A minha Brasília é aquela que inadvertidamente escapuliu dos desenhos dos urbanistas e arquitetos que planejaram a cidade e que também inclui as chamadas cidades satélites e os remanescentes de áreas naturais que sobreviveram às quatro primeiras décadas da cidade mas que agora estão sucumbindo à explosão populacional.

Há pessoas que acham que tanta mudança é uma consequência inevitável do desenvolvimento e crescimento da cidade, mas eu não consigo pensar da mesma forma. Quando passo pela estrada que liga Taguatinga, onde minha mãe mora, ao Plano Piloto, onde estão a sede do executivo, do legislativo e do judiciário do país, não consigo deixar de me assustar com mudanças na paisagem que para mim são aberrações da falta de planejamento e do oportunismo político. De um lado está o bairro hoje chamado Vicente Pires onde antes havia uma colônia agrícola com 358 chácaras e áreas com vegetação natural do cerrado. Em 1997, os chacareiros começaram a parcelas seus terrenos e vender lotes para residência. O governo não freou a venda ilegal e o resultado é que 13 anos depois o setor tem 70.000 habitantes. Toda a área está tomada por condomínios particulares e, depois de anos de ocupação irregular do solo, o então governador José Roberto Arruda resolveu criar oficialmente o bairro Vicente Pires. Em outras palavras, premiou aqueles que ocuparam burlaram as leis para conseguir um lugar para morar. Lá, segundo uma reportagem do Correio Braziliense há 12,000 obras irregulares e “cerca de 500 casas estão à beira de córregos ou em áreas com solo de vereda”. Ouvi o relato de uma pessoa cujo vizinho tem uma mina de água brotando nos fundos do quintal dele.

Do outro lado da estrada está Águas Claras, um bairro que me faz lembrar São Paulo tantos são os espigões que preenchem mais e mais a paisagem. Inicialmente previsto para abrigar prédios de 12 a 16 andares, o bairro teve seu planejamento modificado e o limite na altura dos prédios não existe mais. Resultado, a população do lugar, que deveria ser de no máximo 160.000 habitantes, chegou a 110.000 habitantes em 2008. Segundo Paulo Zimbres, o arquiteto responsável pelo plano inicial do bairro numa entrevista à Casa Abril, hoje a população de Águas Claras estaria beirando os 300.000 habitantes. Como o bairro ainda não está totalmente concluído e tem quase 100 prédios em construção, o número de habitantes vai aumentar ainda mais.

É natural que Brasília cresça. Seria injusto tentar congelar seu crescimento. A cidade não é uma ilha e, se fosse, seria “invadida” por mar por brasileiros em busca de uma vida melhor e direitos básicos como saúde e educação. Mas a forma como o crescimento da cidade está acontecendo me parece descabida, sem qualquer consideração ambiental ou preocupação com a qualidade de vida dos moradores no futuro.

Temo a profecia do respeitado urbanista e professor Aldo Paviano de que em alguns anos Brasília estará completamente coberta por ruas, calçadas e construções escondendo o belo solo vermelho do cerrado. Ele inclusive se questiona o por quê de se criar tantos bairros novos ao invés de se ampliar os bairros já existentes aproveitando a estrutura que eles já possuem.

Por isso tudo, comemorei sozinha aqui de Copenhague a impugnação da candidatura de Joaquim Roriz ao governo do Distrito Federal. Para mim, ele é um dos grandes responsáveis pelo processo de degradação de Brasília. Em seus quatro mandatos como governador, ele criou seis cidades-satélites e distribuiu milhares de lotes, estimulando ainda mais a migração desenfreada para o Distrito Federal e se esquecendo, por exemplo, de trabalhar pela geração de empregos e das consequências ambientais de sua administração irresponsável.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Choque úmido

Bycicle manImage by mickiky via Flickr
Depois de passar quase quatro semanas em Brasília, o mais difícil no retorno a Copenhague não têm sido a correria no trabalho nem a diferença de fuso horário, mas sim a umidade do ar. Saír de Brasília com a umidade relativa do ar beirando os 10% e encontrei uma Copenhague com temperaturas agradabilíssimas, por volta dos 22 °C, mas com umidade carioca. Hoje, no aeroporto de Copenhague, a umidade chegou a 96%.

Com tanta umidade, é difícil manter a elegância depois de pedalar sete quilômetros para na chegada ao trabalho. O jeito tem sido ir direto para a toilette e me dar um ”banho de gato” para limpar o suor do rosto.

Mas não tenho do que reclamar. Adoro minhas pedaladas e elas são uma dos hábitos diários que mais sinto falta quando estou em férias no Brasil.
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Dois meses de neratinib

É hora de dar um pequeno relatório sobre minha experiência com o neratinib. Tenho escrito pouco sobre o assunto porque, na verdade, não há muito o que contar. Faz pouco mais de dois meses que comecei a tomar o medicamento experimental e até agora não percebi nenhum efeito colateral.

Eu estava quase certa de que a razão para a falta de efeitos adversos era uma só: eu deveria está no grupo de controle e estar recebendo um placebo. Mas quando estive no hospital para uma primeira consulta de controle depois de um mês de uso do neratinib, fui informada pela enfermeira que acompanha meu caso que eu não era a única a não ter sentido efeitos colaterais com o medicamento. Nenhuma das outras mulheres participando do ensaio se queixou de efeitos colaterais. Então tive de rever minha convicção de que estou no grupo tomando o placebo. De qualquer maneira o fato de nenhuma paciente estar sofrendo efeitos colaterais é sem dúvida uma ótima notícia.

domingo, 8 de agosto de 2010

De volta das férias

O tomateiro do meu jardimImage by Roberta
Smania
via Flickr
De volta de quase quatro semanas de férias em Brasília e, finalmente, de volta ao blog. Menos de 24 horas depois de aterrissar em Copenhague já havia perdido minhas unhas de manicure pintadas com um esmaltezinho marrom claro discreto e elegante. Havia bastante trabalho para ser feito urgentemente no jardim, para onde fui cumprir minha primeiríssima tarefa: combater ferozmente as ervas daninhas e lagartas que ameaçavam, e ainda ameaçam, tomar conta dos canteiros.


A segunda tarefa foi remover as flores murchas e galhos velhos das roseiras para garantir que elas floresçam pelo menos mais uma vez antes do inverno. Também capinei um pouco, podei alguns arbustos, eliminei lançamentos laterais dos tomateiros e lamentei o estado moribundo dos pés de couve, atacados pelas lagartas.

Constatei que a nossa produção caseira de frutas vai ser bem mixuruca este ano: as poucas frutas dos dois pés de groselha sumiram, como já havia acontecido com as poucas dezenas de frutas da cerejeira. No ano que vem teremos de providenciar redes para cobrir as frutíferas e assim evitar que os pássaros façam banquetes com nossas frutas. Uma das macieiras, que produz uma das maçãs mais gostosas que já comi, também não está colaborando. Só tem uma frutinha aqui e outra acolá, o que vai decepcionar meus colegas de trabalho, já habituados a se deliciar com as maçãs que levo para o escritório todo fim de verão. A esperança é que a ameixeira, carregada de frutos ainda verdes, não decepcione. Mas para isso terei de ficar de olho nos insetos e pássaros de plantão.

Enquanto trabalhava com as roseiras e admirava as flores anuais alaranjadas, amarelas e brancas que esta semana dominam o canteiro nos fundos da casa, percebi o quanto havia sentido falta daquele jardim e me esqueci completamente do esmalte já descascado e das unhas sujas de terra.
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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Brincando com o design

Há novos templates no Blogger e ando brincando com eles. O visual do blogadona vai mudar de vez em quando nos próximos dias, até eu me decidir sobre uma nova cara para o blog.

O que a gente faz do que os outros fizeram com a gente?*

Vera Vital Brasil, que dedicou anos ao trabalho com vítimas de tortura, sabe por experiência própria do que está falando quando diz que o mal causado pela tortura nunca pode ser completamente superado.


Como estudante da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no final dos anos 60, Vera participou ativamente do movimento estudantil universitário, um dos grandes focos de resistência à ditadura militar no Brasil (1964-1985). Devido a sua militância, em dezembro de 1969, Vera foi presa e torturada nas dependências do temido DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna.


Depois de passar três meses na prisão, Vera deixou o Rio de Janeiro e se exilou no Chile. O exílio durou seis anos e, ao voltar ao Brasil em 1976, Vera estava decidida a mudar o rumo de sua carreira para tentar transformar em algo bom o mal que lhe haviam causado.
“O que a gente faz com o que os outros fizeram à gente? Interiorizamos essa experiência dilacerante ou lutamos para que isso nunca mais aconteça novamente? Eu escolhi a segunda alternativa”, ela diz ao explicar o porquê de sua escolha pela psicologia e trabalho clínico e e do envolvimento com vítimas de tortura.

Trabalho voluntário

Enquanto trabalhava como professora de química e fazia o curso de psicologia, Vera participou como voluntária de programas de defesa dos direitos humanos e de assistência à saúde a moradores de favelas do Rio de Janeiro. Anos mais tarde, também como voluntária, se envolveu num programa de apoio psicológico a pessoas infectadas com o vírus da Aids.

Era apenas o começo de uma longa trajetória na defesa dos direitos humanos que a levou, em 1982, a se juntar a outros ex-presos políticos do Rio de Janeiro na reação contra a nomeação para cargos públicos de pessoas envolvidas com a prática da tortura durante a ditadura. Essa iniciativa acabou levando um grupo de ex-presos políticos sobreviventes de tortura e familiares de mortos e desaparecidos a fundar, em 1985, o Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro (GTNM-RJ). O grupo nasceu com a missão de lutar pela defesa dos direitos humanos, incluindo o esclarecimento das mortes e desaparecimentos de militantes políticos, o resgate da memória, a luta contra a impunidade e pela justiça, além da denúncia de torturas e todas as formas de violência.

O GTNM-RJ surgiu num momento em que a memória das mortes, desaparecimentos e tortura ocorridos durante a ditadura militar no Brasil corria o risco de ser esquecida: imperava o silêncio.. “Experiências profundamente dolorosas estavam ficando no baú do esquecimento e o Estado tinha uma política de silenciar sobre estes acontecimentos”, ela conta.

O fato de sobreviventes de tortura terem dificuldade em falar sobre suas experiências por sentirem-se ameaçados também contribuiu para que muitos crimes estivessem caindo no esquecimento. “Alguns pacientes chegavam a se culpar pelo que lhes havia acontecido. Achavam, por exemplo, que não haviam sido suficientemente ágeis para fugir da repressão e atribuíam a si um erro. Mas foi o o Estado quem cometeu crimes ao matar, torturar, fazer desaparecer os corpos dos opositores e dizimar as forças de oposição ao regime.”
Em 1991, com recursos financeiros do Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas de Tortura, o GTNM/RJ formou uma equipe clínica que passou a prestar assistência terapêutica médico-psicológica e de reabilitação física a vítimas de tortura. Vera fez parte da equipe clínica do GTNM-RJ desde sua criação até este ano de 2010.

Justiça e reparação

Ao longo desses anos, sua experiência pessoal e a dedicação a outras vítimas convenceram-na que o mal causado pela tortura não pode ser completamente superado.

“O dano causado pela tortura se acentua se for silenciado e se não se fizer justiça, ou seja, se não houver reparação. O fato de o Estado, que deveria garantir e proteger a vida, ser o agente da violência, tem um efeito devastador na subjetividade. Nossa prática clínica é insuficiente para curar esse dano. Mas podemos tentar fazer com que as pessoas que passaram por essa experiência dilacerante se sintam melhor, deem um outro sentido a esta experiência, deslocando-a do plano meramente pessoal, individual, privado, para o plano do coletivo, da história”, ela diz.

Em julho de 1993, com o evento que ficou conhecido como a Chacina da Candelária (Candelária Massacre), quando crianças e adolescentes de rua foram assassinados por forças policiais na cidade do Rio de Janeiro, os membros da equipe se deram conta que sua área de atuação deveria ser ampliada. “Estávamos cuidando dos afetados pela violência do Estado ocorrida durante a ditadura, e nos demos conta de que outro segmento social estava sendo afetado por essa mesma violência naquele momento de transição para a democracia”, explica Vera.

Pobres: novo alvo da violência do Estado

Segundo ela, houve no período de transição uma mudança no perfil do principal alvo da violência do Estado. “No Brasil, não há mais perseguidos políticos como havia durante o regime militar. Hoje são os pobres as maiores vítimas da violência do Estado e, infelizmente, tortura e maus tratos são problemas graves e generalizados no país”.

Diariamente presenciamos exemplos grotescos de brutalidade, extermínio, torturas, violência e maus tratos no Brasil. Frequentemente a polícia entra nas favelas do Rio de Janeiro atirando indiscriminadamente, supostamente em busca de traficantes de drogas. No estado do Espírito Santo, dezenas de detentos foram amontoados em contêineres de carga onde a temperatura chegava a 50 graus centígrados. Em São Paulo, há pouco tempo um jovem rapaz, motobói, foi torturado até a morte por policiais e teve o corpo jogado numa rua da cidade”, ela conta.

“Historicamente, a violência cometida pelo Estado, incluindo a tortura, não recebe atenção da mídia, ao contrário do que acontece com casos de violência familiar ou de violência cometida por criminosos, que sempre ganham o horário nobre dos noticiários de televisão”, conta. “A razão é que as principais vítimas da violência do Estado são pessoas pobres. E os pobres no Brasil têm de ser invisibilizados. É como se houvesse uma tentativa das elites políticas e econômicas de invisibilizar o problema da pobreza e da violência que se abate sobre este setor ”, analisa.

Apesar desse quadro, Vera acha que a sociedade brasileira, aos poucos tem avançado na proteção dos direitos humanos, destacando esforços de alguns setores do governo. “É impressionante a discrepância entre a truculência de setores do Estado brasileiro e a preocupação sincera com a defesa dos direitos humanos de outros setores desse mesmo Estado”, ela diz.

Reparação integral

Para ela, o melhor exemplo de avanço nessa área é o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, resultado da mobilização de amplas forças sociais em Conferências Nacionais e lançado em dezembro de 2009 pelo presidente Lula da Silva. Na opinião de Vera, embora o Programa tenha sofrido alterações nos primeiros meses deste ano, ele representa um avanço nos esforços pela proteção dos direitos humanos no país.

Vera não está mais trabalhando na equipe clínica do GTNM-RJ, mas sua militância contra a violência do Estado continua. Ela participa de um grupo de terapeutas que se encarrega da criação de uma política pública nacional para a atenção aos afetados pela violência de Estado, e também das atividades de uma organização que trabalha pela reparação e memória de crimes de Estado - o Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro.

Sua militância atual reflete suas preocupações quanto à necessidade de que processos de reparação às vítimas de tortura e outros tipos de violência do Estado sejam integrais e não se restrinjam à compensação financeira. “É necessário ampliar o conhecimento sobre os acontecimentos, julgar os responsáveis e criar memória do que se passou”, ela diz.

Nos últimos anos, milhares de pessoas que foram perseguidas pelo regime militar têm recebido compensações econômicas do Estado brasileiro. Vera teme que a compensação econômica acabe tendo um efeito perverso. “A reparação econômica pode fazer com as pessoas se calem, com que elas silenciem seus clamores por justiça”. Aos 64 anos de idade, Vera continua trabalhando para impedir que esse silenciamento ocorra.

Para saber mais:

  • GTNM/RJ
  • Homenagem na Comissão da Anistia no Dia da Mulher 2010 - No Dia Internacional da Mulher no dia 8 de março de 2010, Vera Vital Brasil estava entre as 15 mulheres perseguidas politicamente durante o regime militar que foram homenageadas em sessão especial de julgamento da Comissão de Anistia do Ministério da Justica do Brasil.
* Artigo originalmente publicado no site do IRCT

sábado, 26 de junho de 2010

Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura

Hoje é o Dia Internacional das Nações Unidas de Apoio às Vítimas da Tortura. Para quem, como eu, trabalha na área de comunicação de uma organização voltada para proteção e tratamento de vítimas de tortura, este é o dia mais importante do calendário anual de atividades profissionais.

Nas últimas semanas, repetindo o que tem acontecido todos os anos desde que comecei a trabalhar no Conselho Internacional para Reabilitação de Vítimas de Tortura (IRCT), meus colegas e eu trabalhamos dobrado para tentar fazer de hoje um dia para ser lembrado pelo maior número possível de pessoas. Acho que este ano, graças ao poder das mídias sociais, conseguimos transmitir nossa mensagem a um número maior de pessoas (dê uma olhada no facebook.com/worldwithouttorture e o bloggersunite.org/event/international-day-in-support-of-torture-victims)

Nos últimos dias, falei muito sobre as vítimas de tortura e hoje quero reverenciar aqueles que, apesar da experiência dilacerante e desesperadora pela qual passaram, não desistiram da vida e continuam tentando acreditar na humanidade.

sábado, 19 de junho de 2010

Dinamarca vence Camarões na noite clara de verão

Assisti ao jogo Dinamarca versus Camarões ao lado do meu marido, que é dinamarquês. No primeiro tempo só fiquei dando uma olhadinha de vez em quando na telinha. Para falar a verdade, não colocava muita fé no time vermelho e branco. Mas devo dizer que a boa atuação dinamarquesa me surpreendeu e acabei prestando mais atenção ao jogo no segundo tempo.

Até que tentei torcer para a Dinamarca, o que é um exercício um tanto quando desanimador. Quando o time fez o primeiro gol, fiquei esperando para ouvir gritos de júbilo ecoando pela cidade de Copenhague. Mas que nada. As ruas do bairro onde moro continuaram desertas, a noite clara de verão se manteve inalterada, pontilhada apenas pelo canto de um pássaro aqui, outro acolá e pelo som distante da autoestrada vizinha do quarteirão.

Aí veio o segundo gol da Dinamarca. Desta vez, pensei, a reação entusiasmada dos torcedores vai se fazer ouvir. Abri a janela da sala e esperei: um, dois, três, quatro, cinco e... nada. Decepção. De novo tudo calmo e plácido. Nenhum berro de alegria, nenhum fogo de artifício, nenhuma buzina. Que paz! Que tranquilidade! Enfim, que chatice!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Papel indesejado

O que se diz a um amigo que você acabou de saber que está com câncer? Ontem fiquei sabendo que uma amiga está com câncer de mama. A notícia, claro, me entristeceu muito e também me fez passar o dia pensando sobre o que é certo e errado dizer para alguém que está para enfrentar os que provavelmente serão os piores meses da vida dela.

Não dá para enfeitar e diminuir a coisa. O tratamento contra o câncer é barra pesada. Mas, como também disse à minha amiga, é um período dificílimo que, felizmente na grande maioria dos casos, termina com bons resultados.

O que eu não disse a ela é que a operação para retirada do tumor é o primeiro de uma série de procedimentos e rotinas que vão nos colocando num papel ao qual muitas de nós não estamos habituadas: o papel de doente. Mesmo depois de findo o tratamento mais intensivo e mesmo contra nossa vontade, o papel que nos é imposto continua a nos perseguir.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ensaio clínico

O lançamento da campanha Mundo Sem Tortura (www.worldwithouttorture.org) não foi a única coisa que me manteve ocupada nas últimas semanas. Dias atrás estive novamente no hospital onde recebi tratamento contra o câncer de mama para um exame de rotina e a médica que me atendeu me deu uma informação que me deixou com uma pulga atrás da orelha.

Depois de terminada minha quimioterapia, recebi por um ano o medicamento trastuzumabe (nome comercial: Herceptin, uma droga que havia apresentado resultados muito bons no tratamento do meu tipo de câncer, o HER2 positivo. O trastuzumabe foi usado para inibir a expressão da proteína HER-2, que aumenta a possibilidade de recorrência do câncer e acelera a multiplicação das células cancerosas.

O trastuzumabe começou a ser usado há menos de 10 anos e só agora está se vendo os resultados a longo prazo do tratamento com a droga. Segundo a médica, infelizmente está se observando que, anos depois do tratamento terminado, o câncer volta a atacar muitas das mulheres que foram tratadas com trastuzumabe. Perguntei o que ela queria dizer com “muitas”, mas a resposta foi evasiva. “Mais do que gostaríamos de ver”, foi a resposta.

Perguntei também quais as minhas chances de que o câncer volte daqui a 5, 10 anos, mas ela novamente evitou uma resposta muito clara. Disse que era muito difícil fazer uma avaliação mais precisa porque há inúmeros fatores envolvidos, como idade, reação ao tratamento, tamanho do tumor etc e tal. Na consulta, a médica me ofereceu a oportunidade de participar do ensaio clínico de uma droga nova, a neratinib, inibidora da HER-2.

Saí de lá desanimada, com todas aquelas nuvens sombrias e eu havia esquecido havia algum tempo me perseguindo novamente, mas quase decidida a aceitar participar do ensaio. Só faltava eu conversar com meu marido. Achava que ele deveria ser informado da minha decisão, já que os efeitos colaterais do remédio poderão afetar um pouco nossa rotina.

No dia seguinte à consulta comuniquei a equipe do hospital que aceitava entrar no estudo. Na minha decisão pesou muito a lembrança dos dias de quimioterapia. Dias como aqueles quero tentar evitar.

Por um mundo sem tortura: A World Without Torture

Imagine um mundo onde não existe tortura. Este é o sonho que o IRCT (Conselho Internacional para Rehabilitação de Vítimas de Tortura) está procurando compartilhar com o maior número possível de pessoas através de uma campanha no Facebook.

A adesão à campanha, da qual sou uma das principais coordenadoras, tem sido fantástica. Em dois dias, mais de 1.100 pessoas se juntaram à campanha.

Olha o link aqui: www.facebook.com/WorldWithoutTorture

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Mesmice

Para variar, ando ocupadíssima no trabalho e em casa. Mas a razão principal do meu recente afastamento do blog foi que de um dia para o outro comecei a achar que me faltava assunto. Pensei em escrever sobre a primavera, a maravilhosa profusão de cores dos jardins de Copenhague, mas me lembrei que já escrevi sobre isso. Poderia registrar que as árvores estão novamente se cobrindo de verde, que a ameixeira do vizinho logo estará belíssima coberta por seu véu de flores brancas ou que os narcisos exageram no amarelo desavergonhadamente alegre. Mas tudo me pareceu repetitivo e banal.

Comecei a achar que pouca coisa fazia sentido nessa alegria que sinto toda vez que a temperatura começa a aumentar e os dias se tornam longos e as noites claras. Tudo se repete, entra ano sai ano, tudo é igual.

Minhas divagações quase existencialistas continuaram um pouco mais e até começaram a fazer meu ânimo murchar. Aí dei um chega para lá em tanta elucubração. Melhor seguir, ir em frente, mesmo não sabendo bem para onde.

Aí a primavera esvaneceu, o frio voltou. Estes primeiros dias de maio têm sido os mais frios do mês em anos. Na manhã da última segunda-feira a temperatura chegou a -1,6 graus centígrados. Fazia cinco anos que não havia uma manhã de maio tão fria quanto essa. Os meteorologistas não prometem temperaturas muito mais altas nos próximos dias, o que me faz quase lamentar meus questionamentos sobre a banalidade da minha alegria primaveril. Me senti punida pelo frio, acompanhado de um vento irritante, que me obrigou a voltar a calçar botas de cano alto e empacotar minha filha em luvas, touca, e casacão de inverno.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Brasília 50 anos

A cidade onde nasci, Brasília, faz 50 anos hoje. A neve que caiu hoje em Copenhague , em pleno mês de abril, fez a saudade do céu quase sempre azul da minha cidade natal aumentar.

Ontem, jornal dinamarquês Politiken publicou artigo de página inteira na capa do caderno de cultura sobre Brasília. O assunto principal da matéria foi, como era de se esperar, a arquitetura da cidade. Mas o artigo lembrou também a onda de escândalos que nublou o ânimo de quem pretendia comemorar o aniversário da capital brasileira. O autor da reportagem, o jornalista Henrik Jönsson, classificou a cidade como a mais corrupta do país. No artigo ele não revela os dados em que se baseou para fazer tal afirmação, mas fica difícil contestá-lo diante da roubalheira no governo local que veio à tona nos últimos meses. E, pelo bem dos brasileiros, torço mesmo para que não exista um lugar no Brasil que seja mais corrupto do que Brasília é agora.

sábado, 17 de abril de 2010

Aniversário da Margrethe II, de novo

Hoje todos os ônibus da Dinamarca circularam com bandeirinhas brancas e amarelas. Havia “dannebrog” hasteada para todo lado que se olhava. “Dannebrog” é o nome da bandeira dinamarquesa, que é usada para marcar aniversários de nobres e plebeus na Dinamarca. A profusão de bandeiras de todos os tamanhos de hoje marcou o septuagésimo aniversário da rainha Margrethe II.

O dia foi de festa para a rainha e muitos dos súditos mais leais. Milhares de pessoas foram a Amalienborg, a praça onde fica o palácio real, para cumprimentar de longe a aniversariante, que apareceu com o marido, filhos, noras e netos, numa varanda para acenar lá do alto para as milhares de pessoas lá embaixo. Eu não estava entre eles. Meu trabalho é bem perto do palácio real, mas hoje tive um curso no outro lado da cidade e nem precisei chegar perto das celebrações.

No carro, a caminho do curso, ouvi no rádio um historiador que, ao falar do nascimento e relembrar os momentos mais marcantes da vida da rainha, me deu algumas dicas para tentar entender por que a Margrethe II é tão popular. O historiador, cujo nome não ouvi, contou que Margrethe, a mais velha das três filhas do rei Frederik IX, nasceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Dinamarca estava sob ocupação alemã. Para o historiador, o nascimento daquela criança reavivou em muitos a esperança de um futuro melhor.

Durante a ocupação alemã, a monarquia ganhou popularidade, principalmente devido à atuação do rei da época, Christian X, avó de Margrethe II. A atitude altiva do rei diante dos alemães foi admirada pelo povo e ajudou a manter a dignidade dos dinamarqueses, algo fundamental para manter a unidade do país que se rendeu praticamente sem resistência aos invasores.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Aniversário da Margrethe II

Amanhã a rainha da Dinamarca, a Margrethe II, vai comemorar seu septuagésimo aniversário em grande estilo e com uma pequena polêmica criada pelo jornal dinamarquês Ekstra Bladet que vem publicando uma série de reportagens sobre o quanto a família real custa aos pagadores de impostos do país, grupo no qual aliás estou incluída. Muitos aqui ficaram surpresos quando descobriram que manter a família da dona Margrethe é bem mais caro que que se imaginava.

A família real recebe 95 milhões de coroas dinamarquesas isentos de impostos (algo em torno de 30 milhões de reais) por ano como uma espécie se salário. Além disso, várias despesas da família, como o navio em que viajam todo ano no verão, despesas de manutenção dos castelos reais, mais 76 agentes de segurança que acompanham a rainha Margrethe, o marido dela, filhos e respectivas esposas e netos, elevam os gastos para a soma de cerca de 400 milhões de coroas dinamarquesas por ano (aproximadamente 127 milhões de reais, o dinheiro brasileiro).

Mas tudo isso não impediu que a prefeitura de Copenhague, que está em dificuldades financeiras para manter serviços públicos como creches e jardins de infância, desse um presente de 230.000 coroas à rainha. Do governo federal, o presente foi ainda maior: 300.000 coroas, que serão usadas no jardim de roseiras do castelo onde a rainha passa os meses de verão. Tenho certeza que vai ficar lindo o roseiral da rainha.

domingo, 11 de abril de 2010

Aniversário da Margrethe

A rainha da Dinamarca, a Margrethe II, vai completar 70 anos na próxima sexta-feira, 16 de abril, e o que não vai faltar é festa para comemorar. A Dinamarca inteira se prepara para celebrar sua regente.

Ou melhor, a Dinamarca quase inteira. Hoje li no jornal que um grupo de republicanos, o Republikanske Grundlovsbevægelse, que eu livremente traduzo como algo próximo de Movimento Constitucional Republicano, queria marcar a data com uma manifestação pelo fim da monarquia. O grupo queria se manifestar na praça Amalienborg, onde ficam os palácios da família real, e na mesma hora em que a rainha sair na varanda para acenar aos súditos que estarão lá embaixo na rua olhando para cima com o pescoço doendo de esperar para cantar parabéns. Mas o plano esperto dos monarquistas não deu certo. A polícia de Copenhague proibiu a demonstração republicana.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Estica estica

Hoje saí literalmente pulando de alegria do Rigshospitalet, o hospital onde tenho recebido tratamento contra o câncer e passado pelos vários procedimentos para reconstrução do seio. A cirurgiã plástica que me operou e que está acompanhando o meu caso decidiu que eu não precisava de uma nova injeção de solução salina no peito. Ou seja, o processo para esticar a pele do meu peito e assim possibilitar a colocação de uma prótese definitiva acabou. Que alívio! Agora posso retomar meu ritmo normal de vida, sem as dores e o desconforto que me têm acompanhado nas últimas semanas.

Na semana passada recebi a terceira e última injeção da solução salina que está sendo usada para expandir a pele. Como a aplicação foi de apenas 50 ml, em vez dos 100 ml que havia recebido duas semanas antes, tive bem menos dores e tive uma semana fisicamente mais agradável. Me alegro que em breve vou poder retomar minhas corridas e pedaladas para o trabalho.

Chuvas de abril

Tem chegado aos jornais e canais de TV daqui as terríveis consequências das chuvas que estão atingindo o Rio. Um exemplo: http://www.berlingske.dk/verden/styrtregn-koster-77-livet-i-brasilien

quarta-feira, 24 de março de 2010

Aviso e lamento

Aviso às navegantes: o método de reconstrução do seio com o uso de um expander dói sim senhor. Quem estiver pensando em usar este método deve se preparar porque a coisa pode doer muito.

Ontem deveria ter voltado ao hospital para receber a terceira e última injeção de solução salina no meu peito. Mas, no dia anterior, tive que ligar para o hospital para cancelar a aplicação. Percebi que não aguentaria outra semana cheia de dor e desconforto físico como a que acabara de experimentar. A aplicação foi adiada por uma semana e já decidi que da próxima vez pedirei para receber um volume menor do que os 100 ml que recebi a semana passada.

Logo depois da aplicação da semana passada, comecei a sentir dores fortes no lado esquerdo do peito e no ombro esquerdo que continuaram pelos dois dias seguintes. Os analgésicos não foram suficientes para diminuir a dor que se alastrou pelo braço esquerdo e pelas costas. O desconforto e dor eram maiores na hora de ir para a cama, onde ficava horas procurando inutilmente uma posição que não causasse dor e acabava dormindo de puro cansaço. Também quase não consegui trabalhar porque sentada eu também não conseguia ficar por muito tempo. Ontem e hoje comecei a me sentir melhor. A dor passou, embora o desconforto continue quando vou dormir e a região do seio reconstruído ainda esteja muito dolorida.

Nesses dias, em nenhum momento pensei que não deveria ter feito a operação para reconstrução do seio, mas me irritei com o fato dos médicos não terem me preparado para a dor que poderia sentir. Me avisaram que haveria alguma dor, que seria facilmente aliviada com analgésicos comuns, mas o que senti foi muito pior do que esperava.

No auge da minha angústia, procurei na internet informações sobre a ocorrência de dor em procedimentos como o meu e quase invariavelmente li textos assinados por médicos garantindo que o método não causa dor. Em meio a tanto otimismo, achei um ou outro médico que admitia que algumas pacientes sofriam bastante dor, especialmente a partir da terceira ou quarta aplicação.

Depois fui atrás de depoimentos de pacientes que haviam passado pelo mesmo procedimento e aí a história mudou de figura. Várias delas haviam passado pelo mesmo que passei. Depois, quase por coincidência, fiquei sabendo de uma conhecida que está numa fase mais avançada do mesmo método que também tem sofrido bastante.

Me senti quase enganada. Claro que não gosto de dor, mas consigo conviver melhor com ela se sei que terei que enfrentá-la. E desta vez fui pega de surpresa.

sábado, 13 de março de 2010

Glauco

Nossa, mataram o Glauce e o filho dele! Que tristeza! Que absurdo!
Fiquei chocada e triste.
Parece até que era alguém que eu conhecia de perto. Talvez conhecesse mesmo, só que através dos seus personagens da pá virada. O Geraldão era quase como se fosse um primo doidão.
Emocionante ver as homenagens ao Glauco no www.universohq.blogspot.com
Que perda!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Prêmio controverso

Às vezes aqui na Dinamarca me sinto sozinha no meu jeito de pensar, como se eu fosse a única em toda essa pequena nação que enxergasse o absurdo na maneira como alguns políticos dinamarqueses falam de pessoas que têm religião e cultura diferentes das deles. Como se eu fosse a única que se enfurecesse quando políticos do partido de extrema direita que participa da aliança governista, sem o menor constrangimento, dizem horrores como "os homens muçulmanos não só matam suas filhas como também fingem não ver que elas são estupradas pelos tios delas".

Embora eu não saiba onde estão, talvez porque não ganhem espaço na mídia, deve haver muitos aqui que pensam como eu. Mesmo assim frequentemente chego a me achar uma esquisita, como se minhas opiniões contra a discriminação religiosa que os muçulmanos sofrem aqui na Dinamarca fossem tão radicais que me transformassem numa extremista.

Por isso me senti de alma lavada quando semanas atrás li uma longa entrevista com o escritor dinamarquês Carsten Jensen no jornal Politiken. Ele é um dos romancistas e ensaístas contemporâneos mais populares e premiados na Dinamarca, autor de “Vi o mundo começar" (minha tradução do título em inglês I've seen the world begin. ) e Nós, os afogados (minha tradução do título original em dinamarquês, "Vi, de druknede”).

Nessa entrevista Jensen disse:

“ - Se eu fosse imigrante, eu me se sentiria muito ofendido pelo modo como se referem a mim (…) Eu me sentiria diminuído”.

Recentemente ele recebeu o prêmio Olof Palm, por seu “humanismo, sensatez e fé no futuro”, concedido pelo Fundo pelo Entendimento Internacional Olof Palm. O prêmio o colocou ao lado de laureados nobres e respeitados como Anistia Internacional (1991), Václav Hnavel (1989), Daw Aung San Suu Kyi (2005), a ativista iraniana Parvin Ardalan (2007). Ao invés de se orgulharem do reconhecimento recebido pelo conterrâneo, muitos dinamarqueses ficaram furiosos com o prêmio e a imprensa reagiu de forma surpreendentemente negativa.

“Carsten Jensen recebe 400.000 coroas por criticar a Dinamarca” (Carsten Jensen får 400.000 kr. for at kritisere Danmark ), foi a manchete do Politiken, que é o mais à esquerda entre os três grandes jornais do país. Algo no mesmo tom saiu no site do DR, o maior canal de TV do país. Leitores do jornal chamaram o escritor de hipócrita e covarde e alguns pediram que ele se mudasse para a Suécia.

Tanta reação quase me chocou. Mas depois de ler um pouco mais sobre Jensen, comecei a entender tanta ira. Como um outro leitor do Politiken comentou, as reações furiosas são uma prova de que “... Carsten Jensen acerta no cerne do problema com a Dinamarca. Carsten Jensen mereceu esse prêmio. Peguem um Kleenex e sequem o ódio dos estrangeiros de suas faces” (minha tradução).

sábado, 6 de março de 2010

TV dinamarquesa: Brasil – a nova potência mundial

Interessante ver como a imagem do Brasil mudou por estas bandas. Esta semana o canal de televisão DR2, que com seus bons documentários e programas jornalísticos na minha opinião é o melhor canal aberto da Dinamarca, dedicou uma série de reportagens ao Brasil no programa DR2 Udland (DR2 Exterior), transmitido de segunda a sexta-feira. O nome da série diz muito sobre como os dinamarqueses estão começando a ver nosso país: Brasil – a nova potência mundial (Brasilien – verdens nye stormagt).

As reportagens trataram de várias questões como a boa fase da economia brasileira, as ambições brasileiras no cenário diplomático e militar internacional, sucessão do Lula, racismo e desigualdade social. Tudo de uma maneira bem superficial, embora eu não ache que tenham dito nada errado, mesmo que eu não concorde muito com algumas das opiniões emitidas.

De qualquer maneira, já não era sem tempo. Adoro samba, futebol e sou defensora ardorosa das florestas brasileiras, mas já estava cansada de sempre ouvir falarem do meu país como se lá os homens não fizessem outra coisa a não ser jogar futebol e as mulheres andassem o ano inteiro trajando fio dental e dançando samba no meio da Floresta Amazônica, onde, claro, está fincada a estátua do Cristo Redentor. Claro que há muitos dinamarqueses extremamente bem informados sobre o que acontece ao sul da linha do Equador, mas também há muitos que só agora estão descobrindo que há mais do que samba, floresta e futebol no lugar de onde veio. Agora só precisam descobrir que falamos português e não “brasiliansk” nem espanhol.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Contra a maré

Uma organização de estudos sociais e econômicos mantida pelos sindicatos (Arbejderbevægelsens Erhvervsråd - AE) acaba de publicar um estudo que mostraria que, em 2007, 200.000 dinamarqueses, numa população de pouco mais de 5 milhões de pessoas, vivem na pobreza, definida de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, em inglês), segundo a qual pobres são aqueles com renda abaixo de metade da renda média do país.  De acordo com o estudo do AE, o mais alarmante é que o número de pobres na Dinamarca cresceu 50 por cento no período que vai de 2001 a 2007 e não há nada que indique que a tendência se reverteu nos últimos dois anos, marcados por crise econômica e aumento do desemprego.

Muitos, inclusive o governo, contestam os números do AE, dizendo que o conceito de pobreza relativa da OECD é simplista e enganoso pois não dá uma imagem muito clara da realidade. Afinal, que pobre do Brasil não gostaria de viver com 8.400 coroas (cerca de 2.800 reais) por mês, que equivalem a metade da renda média dos dinamarqueses? Outra crítica é de que, em tempos de crescimento econômico, como foi o período 2001-2007, a renda total cresce e, consequentemente, a média da renda também, o que acaba colocando mais gente abaixo da linha da pobreza, mesmo que a a renda real dessas pessoas tenha se mantido inalterada.

Sem dúvida, pobreza, como medida pela AE, parece luxo na parte pobre do mundo e até no Brasil onde o salário mínimo é de apenas 1.500 coroas. Mas, não dá para negar que, se não mede a pobreza de forma precisa, o estudo da AE mostra, no mínimo, que a desigualdade social na Dinamarca está aumentando. O que, na minha opinião, não deixa de ser lamentável, ainda mais quando lembramos que 2010 é o Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mudanças de estação

De volta para casa há uma semana, ainda me recuperando da cirurgia plástica, estou tendo um pouco mais de tempo para ler os jornais dinamarqueses, onde a um bocado de notícias sobre as mudanças no ministério feitas pelos dois partidos de centro direita que estão há dez anos no poder, o Venstre e o Konservativ. Os novos ministros, que assumiram na semana passada, tem muito o que fazer já que pelo terceito mês consecutivo, pesquisas de opinião indicam que o governo perdeu apoio da maioria da população. Se houvesse eleição hoje, os partidos de centro esquerda venceriam com 50,7% dos votos contra 49,3% dos partidos da base governista.

As mudanças políticas parecem ter trazido mudanças no tempo. Finalmente parece que a primavera está chegando. As noites ainda estão geladas, mas aparentemente os dias com temperaturas abaixo de zero terminaram por esta estação. O gelo está derretendo lentamente e logo será hora de voltar ao jardim, onde as flores de primavera mais audaciosas já começam a desafiar o frio.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Enfermeiro de contato

Falando sério agora. Esta internação atual comprovou a impressão que tenho do sistema hospitalar na Dinamarca. O atendimento que tenho recebido é realmente de primeira, embora não haja luxos. Aliás nem acho que um sistema público de saúde deva se dar ao luxo de proporcionar luxos. Deve apenas dar o melhor atendimento possível. Conheço algumas pessoas que tiveram experiências ruins em hospitais de Copenhague, mas eu não tenho do que me queixar.

Preciso novamente escrever sobre a gentileza, presteza e atenção que recebo dos enfermeiros dinamarqueses. Falo enfermeiros porque nesta internação pela primeira vez recebi os cuidados de enfermeiros do sexo masculino. Um deles é meu enfermeiro de contato, o que quer dizer que é ele quem vai acompanhar meu caso. Pare ele, só tenho elogios. Além de gentil, prestativo e atencioso, é doce e simpático.

Acesso de Dercy Gonçalves

Olhando para o resultado da cirurgia plástica por que passei três dias atrás, acho que consigo entender o prazer que Dercy Gonçalves sentiu ao expor orgulhosamente os seios cheios de silicone no desfile da Unidos do Viradouro no carnaval carioca em 1991. Quando olho para o ainda arremedo de seio que resultou da operação, me sinto não só alegre, mas também quase orgulhosa e tenho vontade de mostrá-lo a todas as visitas femininas que tenho recebido, como se fosse a oitava maravilha da cirurgia plástica mundial.

Se obedecesse aos meus instintos, sairia pelos corredores do hospital, a minha passarela do samba, com os seios desnudos ostentando meu peito impávido, embora nem tão colossal. Poderia até usar minha maca como uma espécie de carro alegórico empurrado pelos enfermeiros que certamente me acompanhariam num cortejo barulhento e alegre.

Mas meus pruridos moralistas me impedem de levar adiante a ideia de um desfile peitoral. Afinal, o carnaval já passou. E tem mais. Eu correria o risco de ter minha alegria confundida com loucura e de me ver transferida para o departamento psiquiátrico do hospital.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

De uma cama de hospital

Adoro avanços tecnológicos que me permitem, aqui, de uma cama de um hospital na Dinamarca, continuar a escrever meu blog, me comunicar com minha família e continuar acompanhando o noticiário no Brasil. Pois é, estou novamente internada no Rigshospitalet, o maior hospital da Dinamarca. Desta vez o motivo me deixa alegre: fui submetida a uma cirurgia plástica para reconstrução do meu seio esquerdo, a que foi removida devido ao câncer de mama.

A cirurgia aconteceu antes de ontem e tudo correu como planejado. Os médicos fizeram um corte de uns cinco centímetros sobre a antiga cicatriz e colocaram sob a pele e músculo peitoral uma espécie de balão chamado de expander (ekspander em dinamarquês) que encheram com uma solução salina. Daqui a duas semanas terei de voltar ao hospital para que o balão receba mais líquido. O enchimento do balão vai se repetir por outras quatro a seis vezes. Três a quatro meses depois da última vez que encherem o balão do meu peito, serei operada novamente para que um implante definitivo de silicone seja implantado.

Todo o procedimento com o expander se fez necessário porque, quando fui operada para retirada do tumor, parte da pele do peito também foi retirada. Portanto, para que um implante de silicone coubesse sob a minha pele, ela teria de se expandir, o que está sendo possível graças ao expander.

Ufa! Espero que minha explicação de paciente leiga esteja correta. Tanta explicação científica me lembra dos meus tempos de repórter da revista Ciência Hoje. Ah, que saudade de jornalismo científico. Por favor médicos de plantão, me corrijam se escrevi alguma besteira.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Que vergonha!

Fiquei sabendo da prisão do governador eleito do Distrito Federal José Roberto Arruda com um dia de atraso. Só hoje à noite vi as manchetes dos jornais brasileiros sobre o assunto. Fiquei surpresa, pois não tinha muita esperança de que o fosse se desenvolver tão rapidamente, e aliviada. Quem sabe Brasília finalmente se livre dessa corja que tomou conta da minha cidade natal.

Algo que me deixou boquiaberta e até um pouco constrangida porque ainda me considero uma jornalista, embora esteja afastada da profissão, foi a participação de tantos jornalistas nas tramoias do Arruda. O que me deixou ainda mais de queixo caído foi ver jornalistas com quem trabalhei em jornais de Brasília envolvidos até o pescoço no mensalão do governo do DF.

Pensei sobre o que teria a dizer a esses meus ex-colegas. Só duas palavras: Que vergonha!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Cidade dos ciclistas II

Hoje fui de bicicleta para o trabalho e quebrei o jejum de seis semanas sem pedalar. Foi ótimo voltar a me mover sobre duas rodas e a temperatura de três graus centígrados negativos não foi grande problema, mas amanhã vou ter de reavaliar se vou me atrever a pedalar novamente. Algumas das pistas que uso no caminho para o trabalho, principalmente as daqui perto de casa, continuam cobertas de gelo ou neve. Pedalei do trabalho até o jardim de infância da minha filha, mas de lá achei melhor andar puxando a bicicleta com minha filha sentada na cadeirinha da garupa para não correr o risco de queda.

Nisso tenho que dar o braço a torcer: dinamarquês é mesmo duro na queda quando se trata de pedalar. Mesmo com o gelo cobrindo as pistas e montes de bloqueando ruas, ele não desiste do bom hábito de pedalar. É claro que há exceções: em dias de tempestades de neve ou vento, quando até mesmo o serviço de meteorologia aconselha ciclistas e motoristas a usar o transporte público, há pouquíssimos que ousam desafiar a sorte.

Mas desde que voltei do Brasil tenho visto o trânsito de bicicletas pouco alterado pelos centímetros e centímetros de neve que têm caído em Copenhague. É certo que o número de ciclistas sempre diminui no inverno, mas dá par ver que a grande maioria dos ciclistas já está de volta às pistas depois da tempestade de neve da semana passada. Aliás, de acordo com o blog www.copenhagenize.com, diariamente cerca de 500.000 pessoas preferem pedalar a usar carros ou o transporte coletivo Copenhague. Isso corresponderia a 37 por cento das pessoas que cruzam os limites da cidade e 55 por cento das pessoas que vivem no centro da capital dinamarquesa.

A rede excelente de ciclovias e a boa sinalização das ruas estimulam e tornam mais seguro pedalar em Copenhague. A geografia também ajuda. A cidade é predominantemente plana, com poucas e suaves elevações.

Fazendo bom uso de tantas condições vantajosas, os habitantes de Copenhague se movem e movem quase de tudo em suas bicicletas. Já vi gente se equilibrando sobre as duas rodas carregando galões de tinta, cachorro, gato, engradados de cerveja, uma poltrona, outra bicicleta, árvore de natal, pneus de carro, material de construção e televisão. De modo geral a ousadia é bem sucedida, embora também já tenha visto o asfalto da pista para ciclistas coberto com a tinta verde que alguém deixou derramar, provavelmente devido a uma queda da bicicleta.

Tudo que é tipo de bicicleta se encontra por aqui: com cesta na frente do guidom, com cesta no bagageiro, com três rodas, a chamada bicicleta Christiania (link) que tem um vagãozinho na frente para crianças, modelo tradicional, modelo mountain bike, elétricas, com dois guidons para ciclistas apaixonados, com cabo puxando uma terceira roda para uma criança ir pedalando atrás .
Algo que adoro ver são as flores de plástico que enfeitam as cestas das bicicletas das moças mais românticas, como a vista nesta bela foto do Lars Daniel no Flickr.

Sobre os perigos de se pedalar em pista coberta de gelo, vale dar uma olhada no vídeo abaixo, feito na Holanda, outra terra de ciclistas. Felizmente, parece que ninguém se machucou, mas fica a pergunta: por que o ser humano que filmou o vídeo não desceu para a rua para colocar um pouco de sal ou areia na pista e ajudar a evitar as quedas?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Brrrrrrr

Hoje vi uma poça d'água líquida na porta de casa ontem de manhã. Grande coisa, o caro leitor deve estar pensando. Mas é grande coisa sim senhor. Desde que voltei de um mês de férias no Brasil, no sábado, foi a primeira vez que vi uma poça de lama em estado líquido. Até então, neste que foi o janeiro mais frio dos últimos 23 anos na Dinamarca, água ao ar livre, só congelada. Foi uma visão alvissareira de início de fevereiro que, no entanto, durou pouco.

De 1 grau centígrado de manhã, a temperatura caiu para menos dois à tarde, e teria despencado para cerca de 12 graus negativos hoje à noite, segundo o serviço meteorológico daqui. Tentei checar se a baixíssima temperatura se confirmou, mas site do instituto de meteorologia da Dinamarca estava fora do ar, provavelmente como consequência do aumento da procura por informações sobre a tempestade de neve que está começando agora.

(Agora! “Calma, calma, não entre em pânico”, digo a mim mesma.)

Daqui a pouco vou buscar minha filha no jardim de infância e acabei de saber que o pior da tempestade vai ser entre as 15 e as 19 horas. Legal né? Eu havia planejado sair de casa exatamente às 15 horas. Acho que vou ter de rever meus planos.

Ontem, concluí que hoje não daria para usar o automóvel para buscar minha filha. O pai a levou de manhã, quando o vento ainda não era forte, mas hoje à tarde vou ter de enfrentar a tempestade a pé puxando um trenó de plástico no qual vou puxar a Gabi no caminho de volta para casa. Ela, claro, vai adorar, se o vento não estiver forte demais e fazer com que a neve doa quando bater na pele do rosto, a única parte descoberta do corpo.

Ontem foi quase impossível encontrar um lugar seguro para estacionar já que a rua do jardim de infância está quase bloqueada pela neve. À tarde, quando tentei estacionar, o carro patinou na neve e tive de manobrar de ré para não ficar atolada. Dei uma volta pelo quarteirão para tentar achar uma vaga e voltei ao mesmo lugar da patinação automobilística, onde a rua ficou bloqueda por 15 minutos por neve e um carro estacionado meio na transversal pela mãe de um coleguinha da minha filha.

Bonito né? Realmente é muito bonito. Tudo branquinho, coberto de neve. Mas dá um trabalho. E me faz lembrar com saudade das férias na Bahia e cantarolar “I don't want to stay here, I wanna to (sic) go back to Bahia” (confira o Paulo Diniz no link enviado por uma amiga.