domingo, 23 de novembro de 2008

Amizades dinamarquesas

Eu deveria escrever mais sobre a Dinamarca. Afinal, minha filha e meu marido são dinamarqueses, é aqui que vivo e, querendo ou não, acho que vai ser aqui que vou passar mais algum bom tempo da minha vida. Mas a Dinamarca não é muito inspiradora, e muitas das coisas que eu gostaria de escrever sobre os dinamarqueses poderiam soar amargas demais.

Às vezes tenho a impressão que vivo à margem da sociedade dinamarquesa. É claro que tenho amigos nativos daqui, mas a imensa maioria dos dinamarqueses com quem me relaciono são amigos ou parentes do meu marido ou casados com brasileiros vivendo aqui. Depois de mais de 11 anos vivendo aqui, posso dizer que tenho apenas uma, talvez duas amizades que eu mesma fiz.

O problema pode estar em mim que não me dou ao trabalho de fazer novas amizades. Mas meus amigos brasileiros e estrangeiros aqui falam da mesma dificuldade. Além disso, as muitas nacionalidades dos meus amigos me leva a acreditar que o problema está na sociedade dinamarquesa que é, sem dúvida, muito fechada.

Uma das minhas teorias para a aparente impenetrabilidade da sociedade dinamarquesa é que os dinamarqueses simplesmente não têm tempo para novas amizades. As pessoas aqui cultivam amizades que muitas vezes começam na creche, continuam no jardim de infância e na escola e duram até a universidade.

O grupo mais íntimo de amizades de uma das minhas cunhadas dinamarquesas é feito principalmente de moças que ela conheceu no tempo da escola primária. Aqui é comum, e não uma raridade, encontrar casais que se conheceram no jardim de infância, começaram a namorar no segundo grau, passaram a morar juntos quando entraram na universidade e se casaram quando apareceu ou decidiram ter o primeiro filho. A longevidade das amizades aqui faz com que as pessoas criem círculos de amizade fechados não só aos estrangeiros mas também a outros dinamarqueses.

Os membros desses círculos se acompanham ao longo dos anos em vários projetos comuns. Há dinamarquesas que engravidam na mesma época que suas amigas mais próximas para poderem curtir juntas a licença maternidade. Outra vantagem de tal acordo é queas crianças motivo das licenças se tornam amigos dos filhos da amiga. Ou seja, os nenês já nascem com amiguinhos arranjados.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Sossego

Um dia desses me peguei quase alegre porque no dia seguinte teria de passar três horas no hospital para receber nova injeção de Herceptin. “Tá maluca, Margareth?”, peguntei a mim mesma. Não faz sentido se alegrar por ter de voltar a um hospital que começo a conhecer até melhor do que as palma da minha mão.

Demorou uns dois dias para eu entender minha quase alegria. Não há nada de agradável em ser picada para receber uma injeção, mas essas visitas a cada três semanas estão se tornando um pequeno refúgio para mim.

Chego lá, me levam para um quarto onde me sento numa poltrona confortável, me aplicam o medicamento, que leva uns quarenta e cinco minutos para ser completamente injetado, e depois fico mais uma hora e meia em observação para o caso de eu sofrer alguma reação alérgica.

Essas quase três horas se tornaram uma oportunidade, agora cada vez mais rara, para uma pausa. Nelas posso ler uma revista feminina boba, rascunhar idéias para o blog, planejar a vida nos próximos dias ou, maravilha das maravilhas, tirar uma boa soneca. Tudo isso sem aquela angústia de pensar que talvez meu tempo pudesse estar sendo usado melhor fazendo alguma outra coisa. Lá não tenho escolha a não ser me submeter obedientemente às prescrições e recomendações feitas pelos médicos e enfermeiras (e aqui escrevo enfermeiras porque aqui no país da igualdade entre os sexos ainda não encontrei um único enfermeiro).

Nada de tomar decisões, nada de tomar providência: as decisões e as providências já foram tomadas para mim. Em suma, três horas de sossego.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Mimo

Estou chegando perto dos 45 e sentindo uma vontade menina de ser mimada. Sabe aquilo de ter alguém te levando um copo de leite na cama? Ou de perguntar o que você quer para jantar, estando preparado para rodar a cidade inteira para encontrar aquele ingrediente imprescindível para a receita daquele prato que você escolheu?

Acho que essa carência é em parte resultado dos últimos meses de tratamento contra o câncer, quando tive de deixar escondida num canto qualquer a tristeza causada pela morte do meu pai. Colocar um pouco de lado a falta que ele faz foi uma estratégia inconsciente para evitar um desmoronamento emocional.

Mas agora que está chegando o primeiro aniversário da morte dele, lembranças da nossa convivência estão ocupando mais e mais a minha cabeça. Algo de que sempre me lembro é o indefectível copo de leite quente antes de dormir. Lá pelos meus sete anos de idade, sempre que ele estava em casa na hora de ir para a cama, minha irmã tinha direito a um copo com leite quente e eu, que nunca gostei de leite puro, ganhava um copo com leite com açúcar manchado de café. Talvez não fosse o hábito mais saudável do mundo, mas era um dos meus rituais favoritos na infância.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Banalidades

Passar por um tratamento contra câncer traz preocupações vitais e banais. A vital mais importante é sem dúvida a relacionada à sobrevivência. Vou ou não sobreviver a essa doença? No meio angústias lúgubres, vêm várias outras preocupaçõezinhas banais que, para o bem ou para o mal, ajudam a afastar o pensamento das dúvidas mais dolorosas.

Enquanto eu estava careca, me preocupava a falta de cabelo. Agora que o cabelo está voltando a crescer, surgiu uma preocupação capilar extremamente séria. Será que vou ficar com cabelo liso? Não gosto muito da idéia mas várias pessoas me avisaram que depois de um tratamento quimioterápico, o cabelo pode voltar com aparência diferente e, pelo menos por enquanto, meu cabelo está crescendo bem liso, parecendo saído de uma bela escova.

Ao contrário da maioria das minhas contemporâneas, sou feliz com meu cabelo encaracolado. Somente na adolescência, e mesmo assim raramente, tentei fazer algo para deixar meu cabelo mais liso. Nunca nem cheguei a cogitar um alisamento e o máximo que me permiti foi uma ou outra escova.

Mas faz muitos anos que assumi com alegria e alívio meu cabelo cacheado, encaracolado, enrolado. Alegria porque acho que cabelo liso não combina nadinha comigo. Fico parecendo a Maga Patológica. Alívio porque acho que tudo isso de escova, alisamento etc e tal é uma completa perda de tempo. Tenho formas melhores de usar meu tempo.

Tenho amigas e até uma irmã que fazem escova no cabelo todo santo dia. Dá vontade de dizer: libertem-se! Assumam seus cachos e tudo o mais que eles representam.

Seria uma declaracão meio banal, mas ainda assim acho que valeria a pena.