domingo, 27 de dezembro de 2009

Cidade dos ciclistas

No blog da Ilana descobri um vídeo legalzinho sobre Copenhague como a cidade dos ciclistas. Uma bela canção da inglesa Kate Melua explica porque talvez Pequim seja mais merecedora do título do que Copenhague. Lá existiriam 9 milhões de ciclistas. Ainda assim não dá para negar que Copenhague talvez mereça o título europeu. A cidade é fantástica para quem adora usar uma ”magrela” como meio de transporte e, de lambuja, para manter a forma, proteger o meio ambiente e economizar dinheiro.

Com minha bicicleta vou para o trabalho, levo minha filha para o jardim de infância, faço compras, visito amigos e passeio. Pedalo com menos frequência no inverno, mas o frio, a não ser que a temperatura fique bem abaixo de zero grau, não costuma ser um empecilho. Um bom casaco, cachecol, toca, luvas e botas e o problema está resolvido.

O vento e o gelo são os grandes inimigos das minhas pedaladas. Dias de vento são quase uma rotina na Dinamarca e quando a velocidade do vento fica acima dos 15 metros por segundo, raramente me animo a pedalar os sete quilômetros que separam minha casa do trabalho. A neve que deixa as pistas como pistas de patinação é outro problema. Já caí algumas vezes a caminho do trabalho quando desafiei o bom senso e pedalei num dia em que tudo estava coberto pelo gelo.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ajuda natalina

Então é Natal na Dinamarca. O país coberto de neve cria o que os dinamarqueses chamam de ”natal branco”, motivo de alegria para as crianças e adultos e transtorno para quem precisa ir de um lugar a outro. Olhando a pequena montanha de brinquedos que todos os anos cobre o piso embaixo e ao redor da árvore de natal da casa dos meus sogros, penso no número crescente de famílias dinamarquesas que têm pouco para e com o que comemorar neste Natal.

Segundo uma matéria de um jornal dinamarquês, a cada ano é maior o número de famílias que se candidatam a receber a chamada ”ajuda de natal” oferecida por instituições de caridade. Dez anos atrás, apenas 1060 famílias solicitaram a ajuda ao Exército da Salvação. Este ano, foram 9466 famílias. Uma outra organização, a ASF Dansk Folkehjælpe, recebeu dois anos atrás 2200 pedidos. Este ano foram 4500. A grande maioria dessas famílias tem orçamento apertado e no Natal precisam escolher entre encher a geladeira com comida para a ceia ou comprar presentes. Para evitar crianças decepcionadas, recorrem às instituições de caridade.

Se no Brasil, a desigualdade social aviltante sempre dá um tom triste ao Natal, aqui na Dinamarca, a pobreza é um problema mais sutil que se acentuou com a política liberal do governo atual. Claro que pobreza é um conceito relativo num país como a Dinamarca, onde o padrão de vida é bem mais alto que na maioria dos outros países, e especialistas, governo, sociedade civil e organizações internacionais não conseguem chegar a um acordo sobre como defini-la. Uma das definições mais aceitas é a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, em inglês) segundo a qual pobres são aqueles com renda abaixo de metade da renda média do país.

A renda média media anual da Dinamarca é de 160 mil coroas dinamarquesas, o que coloca todos os que têm uma renda inferior a 96 mil coroas (equivalente a 32 mil reais) abaixo da linha de pobreza. Há estudos indicando que há cerca de 170 mil pessoas, incluindo aproximadamente 50 mil crianças, vivendo abaixo da linha de pobreza na Dinamarca.

A pobreza que se vê na Dinamarca é um luxo se comparada ao que chamamos pobreza no Brasil. Mas é inegável que a tendência observada aqui não é algo do que os dinamarqueses possam se orgulhar.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Menu de Ano Novo - O negócio é brilhar

Acompanhe o que um grupo de brasileiros, incluindo eu (sortuda, hein"!?) e respectivas famílias vivendo na Dinamarca vão comer na passagem de ano. O menu preparado coletivamente muda a cada dia e parece cada vez mais apetitoso.

(atualizado em 30.12.2009, 14:24)

PRATO PRINCIPAL
Pernil de carneiro - AM
Pernil de carneiro - PT
Carne assada - CL
Salmão a la Bollywood - Margareth
Torta vegetariana - Ju
Algo ao gosto da garotada - Ly

COMPLEMENTOS
Farofa com bacon e ameixas – Margareth
Arroz com passas e amêndoas - Margareth
Salada de lentilha – AA
Salada - VP
Salada - RR
Pasta de grão de bico e pão sírio - DJ
Tabule - DJ
Pães de queijo - EM
Batatinhas a vinagret - AA

SOBREMESA
Pavê de ameixa - SP
Mousse de maracujá - SP
Mousse de maracujá ou limão - FCLR
Pudim de leite condensado - EM
Uvas – Margareth
Ris a la mande - AA "Se tudo der certo, pq sera meu primeiro :)"

TIRA-GOSTOS
Ly

BEBIDAS
Todos

DECORACÃO
AM e Margareth

domingo, 13 de dezembro de 2009

Espectatora

Através do Facebook recebi uma mensagem de uma conhecida que vive em São Paulo falando que havia se lembrado de mim nesses dias em que todos os olhos do mundo se viram para Copenhague por causa da Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas, que começou no dia dia 7 e vai até 18 de dezembro.

A mensagem dela me fez pensar e também lamentar não estar mais envolvida no que está acontecendo nesses dias por aqui. Afinal, embora nunca tenha sido uma militante ambiental de carteirinha, temas como o meio ambiente, recursos naturais e biodiversidade sempre me interessaram muito e até me motivaram a fazer um mestrado em planejamento e políticas ambientais na Inglaterra anos atrás. Embora as voltas que o mundo dá tenham me afastado do tema, procurei me manter informada sobre o que acontece na área de preservação ambiental, principalmente no Brasil.

Mas infelizmente meu ritmo de trabalho me impediu de acompanhar mais de perto o que anda acontecendo na conferência e eventos paralelos. Assim, para ser bem sincera e um pouco cínica, a conferência está sendo apenas um motivo para alterações no trânsito e evitar o centro da cidade e a área nas redondezas do local onde a reunião está acontecendo.

Outro motivo para meu desinteresse é meu pessimismo sobre os possíveis resultados da reunião. Quando o quanto se consome, principalmente nesta época do ano aqui na Dinamarca, fico desanimada. Acho que muitas poucas pessoas nos países mais ricos estão dispostos a abrir mão de uma milésima parte de seu consumo e conforto para salvar as populações nos países mais pobres, que poderão ser as grandes vítimas do aquecimento global.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Intolerância europeia

Estava indo de carro buscar minha filha no jardim de infância quando ouvi no rádio a notícia de que um referendo havia proibido a construção de mesquitas com minaretes no território suíço. Fiquei chocada e quase apavorada.

Eu já havia ouvido falar do referendo, mas nem havia me passado pela cabeça que a proibição seria aprovada. Achei que os suíços fossem colocar a extrema direita do país em seu devido escorraçando uma proposta ridícula que não tem cabimento num país que se diz democrático.

Mas não: a proposta não soou ridícula aos ouvidos da população suíça e a intolerância europeia se fez mostrar mais uma vez. Aqui na Dinamarca, o maior partido de extrema direita, o Danske Folkeparti, se apressou a declarar que também vai defender um referendo semelhante. Todos os demais partidos, tanto de direita, centro e esquerda rechaçaram a ideia, embora alguns de forma pouco convincente.

Um representante do Venstre, o partido de centro direita do primeiro ministro Lars Løkke Rasmussen, disse, apenas que um referendo do tipo suíço não vai acontecer na Dinamarca porque o parlamento daqui (Folketinget) não legisla sobre regras para construção de prédios, o que caberia aos governos locais. Dessa maneira, ao invés de condenar qualquer iniciativa semelhante e defender enfaticamente a liberdade religiosa, o partido do governo daqui preferiu evitar polêmica com o Danske Folkeparti, que lhe dá maioria no parlamento e lhe garante a continuidade no poder.

Agora é torcer para que O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos derrube essa proibição ofensiva. Enquanto isso, dou o link de uma foto da Mesquita do Centro Islâmico do Brasil lá na minha Brasília, que não é nenhum paraíso, mas onde todos os santos e deuses são permitidos: http://www.iesb.br/moduloonline/imgs/mesquita.jpg

domingo, 29 de novembro de 2009

Descoberta de São Paulo

A Dinamarca descobriu que São Paulo é uma das 10 melhores cidades do mundo para se visitar em 2009. Foi necessário que o Lonely Planet afirmasse isso para o jornal dinamarquês Politiken () ir atrás e publicar um artigo extremamente positivo sobre a cidade no caderno de turismo de hoje.

O problema é que a descoberta do jornal dinamarquês chegou com um ano de atraso. A lista do Lonely Planet foi divulgada em outubro de 2008 para o o anuário “Lonely Planet’s Best in Travel”, como registrado pela Época.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Gripe

A H1N1 anda fazendo estragos por aqui. As autoridades sanitárias preveem que um terço dos 1,6 milhão de habitantes de Copenhague será atingido pela gripe, que já fez seis vítimas fatais. Ainda é, felizmente, pouco, mas a epidemia aqui ainda está a caminho do auge de contaminação e mais mortes vão provavelmente acontecer em breve.

Há cartazes por todo lado com instruções sobre como prevenir a doença e o produto mais popular de farmácias, perfumarias e supermercados é gel antisséptico para as mãos.
Mas não é nada fácil evitar a contaminação num país que vive com as portas e janelas fechadas nos quase seis meses de inverno e onde as pessoas não têm o hábito de lavar as mãos antes das refeições. Hoje quase já me acostumei, mas nos meus primeiros anos de Dinamarca me surpreendi com os hábitos de muitos dinamarqueses. Coisas que para nós brasileiros parecem exemplos de pouca higiene ou péssimas maneiras à mesa, são normais por aqui. Um exemplo é comer verduras sem lavá-las antes. Ou cortar um pepino em rodelas um fatiar um pão diretamente sobre uma mesa da cantina do trabalho, ao invés de usar um prato ou tábua de cortar.

Por isso, em tempos de gripes porcas, passei a carregar na minha bolsa um tubinho de gel antisséptico. Às vezes me acho um pouco histérica com tanta precaução, inclusive porque até ser tarde demais: a gripe suína talvez já tenha passado aqui em casa. Na semana passada minha filha esteve bem gripada e pode até ter sido que ela tenha sido a primeira vítima da H1N1 aqui em casa.

domingo, 15 de novembro de 2009

Fruta exótica

O jornal que mais leio aqui na Dinamarca, o Politiken, tem um caderno semanal chamado comida (“Mad”) onde há sempre um artigo dedicado a uma fruta exótica. Na mesma seção do jornal já aparecerem espécies estranhíssimas aos paladar e olhos dinamarqueses como a jaca e o tamarindo. A fruta desta semana era, adivinhem só queridos leitores brasileiros, a nossa muitíssimo exótica goiaba. O artigo ensina os dinamarqueses a escolher uma boa goiaba, que não deve ser comida quando ainda está muito verde nem quando está madura demais.

A matéria ensina também que se deve descascar uma goiaba antes de se comê-la. Não contive o riso ao ler o artigo. Me lembrei dos melhores dias da minha infância, passados trepada numa das dezenas de goiabeiras da chácara da minha avó. Lá meus primos, minha irmã e eu nunca pensaríamos em descascar uma goiaba. Nossa preocupação não era a casca da goiaba, mas sim os bichinhos que de vez em quando encontrávamos na polpa da fruta. Essa era aliás uma das razões pelas quais preferíamos as goiabas com polpa vermelha. Além de acharmos que eram mais gostosas, nelas era menos frequente encontrar os tais bichinhos.

O bom de trepar nas goiabeiras era que as árvores, embora nunca se tornassem muito grandes, tinham galhos que eram suficientemente fortes para aguentar nossas macaquices. Quando trepávamos numa mangueira, tínhamos de tomar cuidado para escolher os galhos mais antigos e fortes, mas isso não era um problema com as goiabeiras. Outra vantagem das goiabeiras era que nelas nunca encontrávamos uma lagartas horrorosas e enormes que de vez em quando achávamos nos abacateiros. Isso fazia das goiabeiras os alvos favoritos das nossas escaladas arbóreas. Era só trepar, achar uma goiaba madurinha e comê-la com o cuidado de conferir entre uma dentada e outra se não estávamos invadindo a moradia de uma larva da mosca-das-fruta.

Voltando à matéria sobre a goiaba, tive que vir morar na Dinamarca, aprender dinamarquês para aprender que a goiaba tem um tal de eugenol que lhe da o saber tão característico. A jornalista lista vários usos da goiaba, mas nem menciona a nossa querida goiabada. Me deu vontade de lhe escrever reclamando da gravíssima omissão, mas fiquei só na vontade.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Vitamina D e rua

O problema do outono na Dinamarca é que ele é curto demais. Logo depois que você começa a achar que a cor das árvores é linda, elas perdem todas as folhas, a temperatura cai para 5 graus centígrados, o horário de verão acaba e as tardes escurecendo às quatro da tarde começam. Em suma, o inverno chega em menos de um mês e fica até o final de março.

Conheço gente aqui que acha lindo sentir frio, adora o vento gélido no rosto, se encharcar na chuva congelante ou escorregar nas ruas cobertas de gelo, mas ainda não encontrei um único dinamarquês ou estrangeiro que goste dos dias com o sol saindo às 7:30 e caindo fora às 16:00. Isso quando o astro rei dá o ar da graça. Muitas vezes, como aconteceu hoje, o sol fica lá escondido em algum lugar atrás de uma cobertura densa de nuvens. A massa de nuvens cinzas ficam bem baixas, como se fossem um teto no qual precisamos apenas estender o braço para tocar com a mão.

Em dias como hoje, dá vontade de chorar. Mas, claro, não se chora porque o tempo lá fora está horrível e você sabe que vai continuar assim por quatro meses. Não, deve-se resistir bravamente mesmo que o lugar mais interessante do mundo pareça ser a sua cama. Quando a vontade de chorar se juntar a um sono desanimador e uma preguiça avassaladora, está na hora de reagir e ir em busca de paliativos, remédios e preventivos contra o desânimo e aquela tristezinha.

Entre imigrantes e brasileiros de pele morena ou mais escura, vitamina D é bem popular. A receita é vitamina D e rua, sair para fora de casa para pegar ar fresco e toda a luz que sua pele conseguir absorver. Há quem apele para luz solar artificial, seja com lâmpadas especiais que podem ser usadas em casa seja indo para o que eles chamam aqui de “solarium” onde você se deita com roupa de banho numa cama e seu corpo recebe uma banho de luz. Ainda não apelei para o banho de luz mas amanhã vou atrás de vitamina D.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A pipa tá no ar

Comprei duas pipas pela internet e domingo, depois do almoço, fomos minha filha, meu marido e eu, testar uma delas. Foi uma delícia. Eu teria ficado o dia todo lá naquele gramado aqui perto de casa tentando dar piruetas na pipa ou fazê-a mergulhar de bico, mas lá pelas tantas minha filha se cansou e começou a reclamar do frio. Tivemos de vir embora e no caminho de casa me lembrei daquela vez em que meu pai fez ou comprou uma arraia enorme e levou minha irmã dois anos mais nova e eu para soltá-la no campo de futebol que existia no cerrado lá perto de casa, em Taguatinga.

Aquela tarde me marcou. Meu pai era meu super pai, nossa pipa era provavelmente a maior e mais bonita do mundo, embora eu não me lembre que cor tinha, e a vida parecia um céu azul que estava bem ali, esperando para ser rasgado pelas minhas piruetas da nossa arraia.

Não me lembro de ter brincado de arraia depois daquela tarde. Fiquei na inveja e sem coragem de me misturar aos meninos, os donos da brincadeira de soltar arraias. Soltar arraia sempre foi brincadeira dos moleques da rua, incluindo meu irmão que anos mais tarde se tornou tão bom na construção de pipas que passou a vender as que construía aos garotos mais novos da vizinhança.

Final de abril, começo de maio, quando as chuvas diminuíam, começava também a estacão das pipas nas ruas de Taguatinga. O vento que criava redemoinhos de poeira vermelha, era ótima para levantar as pipas de papel de seda que a garotada empinava e pontilhava o ar de cores. No céu, as pipas competiam em beleza e acrobacias. No chão, a molecada lutava, muitas vezes com o perigoso cerol, para manter suas obras e o respeito na vizinhança. Eu não entendia muito as táticas usadas pelos garotos em suas batalhas aéreas, mas sempre lamentava quando uma pipa cortava a outra, que saía desmaiando sem rumo pelo céu.

No domingo quis dar à minha filha a alegria de soltar uma pipa. Minha filha gostou da brincadeira, meu marido adorou e eu, quase quarenta anos depois, fiquei deslumbrada.

A propósito, no Blog do Gutemberg, fiquei sabendo que além de pipa, papagaio e arraia, o brinquedo também é conhecido como cafifa, pandorga e quadrado. Lá também aprendi o que é “boca de chave”, “chave” e “dar um aú”, termos do jargão dos soltadores de pipa.

domingo, 25 de outubro de 2009

Explosão de cores

Antes de viajar para a Holanda, a Dinamarca ainda estava verde. Voltei três dias depois para encontrar o país coberto de amarelo, laranja e vermelho. São as belíssimas cores do outono que tomaram conta das árvores do país. Não posso deixar de admitir que essa explosão de cores é belíssima. O que me entristece nisso é que em breve o cinza e marrom dos galhos pelados vão substituir as cores vibrantes das folhas.

Mudança de estacão também traz mudança nos relógios. Hoje começou o horário de inverno e a diferença de fuso entre Brasil e Dinamarca diminui de cinco para apenas três horas.

sábado, 24 de outubro de 2009

Conferência

Acabei de voltar de uma cidade perto de Amsterdam e com um nome que não consigo pronunciar, (Noordwijkerhout) na Holanda, aonde fui participar de uma conferência sobre arrecadação de fundos em organizações não governamentais (the International Fundraising Congress). Fiquei impressionada com a ótima organização do evento e a forma calorosa com que entidade por trás do evento, Resource Alliance, recebeu os participantes.

A qualidade dos palestrantes e o bom nível dos debates também me impressionou e recomendo a todos que trabalhem em instituições não governamentais e que estejam atrás de inspiracão e boas idéias a participar do congresso, que acontece anualmente na mesma cidade holandesa.

Não sou realmente a “arrecadadora de fundos” da minha organização, mas como responsável pela presença do IRCT na internet, preciso aprender mais sobre como canais como o nosso site e nossas páginas no facebook, twitter e youtube podem ser usados para atrair ativistas virtuais para apoiar nossa causa e, eventualmente, aumentar a quantidade de doações individuais para nossa organização.

Nos três dias da conferência ouvi e conversei com pessoas representantes de organizações com causas das mais diversas. Havia, por exemplo, representantes de instituições que promovem pesquisa para o tratamento do câncer, de apoio a pacientes de câncer, da área ambiental, de mulheres africanas, de trabalhadores alemães e de promoção de educação de jovens do Oriente Médio. Comum a todas essas organizações é a preocupação sobre a repercussão da crise econômica sobre a arrecadação de fundos para manter suas atividades. Muitas dessas organizações estão recorrendo à internet para buscar doações e o apoio de voluntários.

Aliás, por falar em IRCT e internet, já conferiu o novo site do IRCT?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Noite gelada e noticia boa

Acabei de ler na página do serviço de meteorologia da Dinamarca (www.dmi.dk) que a noite passada foi a primeira noite gelada em termos meteorológicos deste inverno 2009/2010.

Coisas engraçadas se aprendem quando vivemos num país frio como a Dinamarca. Para mim, noite gelada é noite gelada. Mas não. No jargão dos especialistas no assunto, uma noite gelada em termos meteorológicos é aquela em que a temperatura do ar numa altura de dois metros acima do solo fica abaixo de zero.

Depois da noite gelada, uma notícia boa. Estive hoje no hospital para me submeter a uma mamografia e ultrassom que mostraram que meu peito mastectomizado não há nenhum sinal de câncer.

Antes do exame eu estava tranquila e confiante de que não encontrariam nada de errado, mas ainda assim foi ótimo receber uma confirmação de que tudo está bem.

Resistência

Preciso voltar à Dona Katrine. Um artigo no jornal Politiken alguns dias atrás me fez ficar pensando no que ela diria sobre um grupo de dinamarqueses que está se auto-intitulando "O novo movimento de resistência". Isso porque um dos maiores feitos da longa vida da Dona Katrine foi participar do movimento de resistência contra a ocupação nazista da Dinamarca na Segunda Guerra Mundial.

Eu não sei muito sobre da atuação de Dona Katrine no movimento de resistência, a não ser que durante dois anos ela viveu com duas identidades para cobrir suas atividades clandestinas. Mas enquanto Katrine arriscou a vida para resistir à invasão alemã, os membros da auto-intitulada resistência de hoje arriscam ir para a cadeia porque estão ajudando iraquianos que tiveram seus pedidos de exílio recusados e estão em situação ilegal na Dinamarca.

No grupo há pessoas de diversas profissões, incluindo enfermeiras e parteiras que assistem os exilados que evitam procurar o sistema de saúde dinamarquês com medo de serem presos e enviados de volta para o Iraque. Ninguém sabe exatamente quantas pessoas fazem parte dessa nova “resistência” porque embora algumas pessoas falem publicamente do trabalho que fazem pelos iraquianos, outros preferem manter silêncio sobre suas atividades.

O grupo se formou a partir da organização criada para apoiar os iraquianos que se refugiaram na Igreja Brorsons e chegou a ter uma conta bancária publicamente anunciada para quem quisesse doar dinheiro ao grupo. Mas desde que se expôs através da imprensa, o grupo foi enfrentando oposição e dificuldades cada vez maiores. A conta bancária foi fechada pela direção do banco, políticos dos partidos que formam o atual governo criticaram duramente a iniciativa e a polícia começou a apurar o caso. Na semana passada o grupo anunciou que vai parar de angariar fundos publicamente para evitar problemas com a polícia. Mas é sabido que o movimento clandestino de apoio aos exilados iraquianos continua.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Diferenças sutis

Duas festas às quais fui convidada semanas atrás me deram um exemplo curioso das diferenças entre nós, brasileiros, e eles, dinamarqueses. Amigos dinamarqueses do meu marido nos convidaram para uma festa de despedida do verão de 2009. O convite enviado por e-mail dizia que o tema da festa era o verão e daí concluímos que deveríamos nos vestir a carácter. Eu não esperava muito daquela festa porque já me decepcionei muito com eventos do tipo promovidos por dinamarqueses. Depois de anos Minha conclusão é que, em matéria de festa, dinamarquês é subdesenvolvido, tadinho.

Aqui é preciso esclarecer. Quando escrevo festa, me refiro a música animada, povo alegre e barulhento, muita dança, porque adoro dançar, alguma bebida e, se possível, comida gostosa, mesmo que sejam só tira-gostos. Essa combinação, dinamarquês raramente entrega.

Ainda assim resolvi me vestir a caráter buscando inspiração no Brasil, onde, afinal, é verão quase o ano inteiro. Tirei do fundo do armário um vestidão amarelo ouro, bem daquele amarelo da nossa bandeira, e me enfeitei com maquiagem e bijuterias bem coloridas. O pior, ou melhor, minha salvação, é que encorajei meu marido a se vestir com uma camisa azul piscina que ele comprou em Salvador. Pois é, juntos parecíamos um uniforme da Seleção Brasileira.

Chegamos à casa da festa e a primeira coisa que percebi foi que estava sendo vítima de uma situação clássica, já vivida por muita gente antes de nós. Todos os convidados presentes, e quando eu escrevo todos quero mesmo dizer todos, estavam vestidos elegantemente com roupas escuras último modelito outono-inverno 2009. Até mesmo o casal dono da festa nos apunhalou pelas costas. A dona circulava alegremente num vestido preto e o marido a acompanhava em calças pretas e uma camisa clara de mangas longas. Nem precisa dizer que nossos trajes reforçaram a sensação que sempre tenho em festas dinamarquesas: a de um peixinho fora d'água. A festa foi mais ou menos o que se podia esperar. Comida gostosa, pouquíssima gente dançando e muita, muita bebida.

Como Deus nem sempre é padrasto, fomos convidados por duas amigas brasileiras, uma paulistana e a outra carioca, para uma festa comum de aniversário que aconteceria três semanas depois da mancada azul e amarela. Nessa festa também havia um tema: “A festa mais louca de todas” (minha tradução). Para meu azar, o dia da festa caiu no mesmo dia em que meu marido convidou a família dele para um jantar para comemorar o aniversário dele. Não dava mais para desmarcar o jantar mas fiquei matutando que, como festa de brasileiro começa tarde e jantar de dinamarquês termina cedo, eu ainda tinha uma chance de poder dar um pulinho na festa.

Dito e feito: meu marido e eu chegamos bem tarde à festa, mas ainda assim deu para curtir a diferença. Na festa das brasileiras, pirata, africana, super homem, egípcia, chinesa, japonesa, cowboy, árabe, passistas e destaques de escola de samba, índios, dançarinas, Sherezade, mulher gato e outras figuras dançavam ensandecidamente, bebiam um bocado e se divertiam adoidado.

Eu estava exausta, depois de passar o dia preparando o jantar para quinze pessoas da família do meu marido, mas o pique da festa era contagiante e nos juntamos à catarse coletiva dançando o mais que pudemos. Voltamos para casa no fim da madrugada fria, de bicicleta porque aqui ninguém, ou quase ninguém, dirige depois de beber. Eu estava a-ca-ba-da, mas a alma, lavada.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Deu Rio

É impossível não deixar de me emocionar com as imagens sobre a escolha do Rio de Janeiro para sediar as os Jogos Olímpicos de 2016. Lula chorando, bandeiras brasileiras na praça central de Copenhague e festa em Copacabana. Mas ainda não estou convencida de que a vitória do Rio sobre Chicago, Tóquio e Madri foi uma boa.

Aliás nem me sinto autorizada a ter uma posição sobre o assunto porque enquanto Copenhague fervilhava com a passagem de figuras como Michele e Barack Obama, Oprah Winfrey e príncipes japoneses, sem falar do já mencionado Lula, eu me recolhia diante do meu computador, trabalhando quase sem pausa no relançamento da página da internet do IRCT. Na correria desses dias, li, vi e senti muito pouco da confusão causada pelo comitê olímpico.

Nos últimos dias, além do cansaço físico e mental causado pelas horas extra de trabalho, o que eu realmente senti foi a chegada do frio. Temperaturas abaixo de 15 graus durante o dia e abaixo de 10 à noite. Infelizmente, a efervescência trazida pela escolha da sede dos jogos de 2016 não foi suficiente retardar a chegada do inverno.

sábado, 26 de setembro de 2009

Zero decibel

Esta é uma grande iniciativa: uma campanha contra o uso da música como método de tortura.

A música que só deveria ser usada para nos proporcionar prazer, foi usada pela CIA Como método de tortura na chamada "guerra contra o terror". Prisioneiros foram mantidos no que ficou conhecido como "dark prison" (prisão escura) onde, completamente deprivados de luz, foram obrigados a ouvir a mesma música em volume ensurdecedor por dias e dias. Há relatos de ex-prisioneiros em Guantánamo dando conta de que as sessões de tortura chegaram a durar 20 dias ininterruptos.

A União de Músicos do Reino Unido e a ONG Reprieve se juntaram na campanha genial zerodB, que está juntando video e foto assinaturas de apoio à campanha. Vale a pena conferir.




quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Fotos de família

Nossa! Tenho trabalhado tanto que nem tenho tido tempo de blogar. E que falta o blog me faz.

Mas acho que vai valer a pena tanto esforço. O novo site do IRCT vai ficar o máximo, embora minhas ambições fossem ainda maiores. É que sou extremamente impaciente e queria fazer o site perfeito agora, ou melhor, ontem, mas uma série de limitações, inclusive financeiras, não vao deixar isso acontecer. Além do que, "saite" perfeito não existe. Estamos todos ainda aprendendo enquanto fazemos nesse mundo tresloucado da web.

Para não desaparecer completamente, passo adiante um link engraçadíssimo que uma colega de trabalho me enviou para aliviar a tensão desses ocupados dias: http://www.guidespot.com/guides/awkward_family_photos.

Vale a pena conferir.

sábado, 12 de setembro de 2009

Katrine

Perdi um dos meus embaixadores junto a Deus. Dias atrás faleceu repentinamente a tia avó do meu marido, Katrine Sofie ou a Gammel Faster, apelido em dinamarquês que significa "Tia velha". A morte foi repentina, mas surpreendeu pouca gente: ela tinha 98 anos de idade.

Cristã fervorosa, Katrine participava de grupos de oração onde, fiquei sabendo, eu era figura conhecida. No funeral dela, uma senhora se aproximou de mim e perguntou se eu era a Margareth. Adivinhar quem eu era não era muito difícil já que eu era a única morena no recinto. A tal senhora abriu um sorriso largo ao confirmar minha identidade e disse candidamente: ”Katrine rezou muito por você”. Ela disse aquilo para me alegrar, mas o efeito foi bem o contrário. Senti um frio na barriga e uma sensação de desconforto saindo da nuca e se espalhando pelas costas. ”Iiih! Que fria!”, pensei, de repente me sentindo completamente desprotegida.

Eu sabia que eu estava na boca dos grupos de oração da igreja da Katrine. Ele fazia questão de me contar quando ela e seus amigos da igreja haviam rezado por mim e não foram poucas as vezes em que isso aconteceu. Logo que cheguei à Dinamarca, pediram para que eu arranjasse um emprego, depois para que eu me saísse bem nos exames do mestrado que fiz aqui, no ano seguinte as rezas fossem para que eu, depois de repetidos abortos espontâneos, tivesse uma gravidez bem sucedida, depois para que o parto da Gabi corresse bem. Aí a coisa engrossou e as rezas devem ter ficado mais fervorosas. Soube que houve muito “Ave Maria, Pai Nosso” para garantir que meu tratamento contra o câncer de mama desse resultado. Os pedidos a meu favor prosseguiram com o tratamento do meu linfedema e, pelo que a tal senhora que adivinhou quem eu era insinuou, continuaram até pouco antes do falecimento de Katrine.

De vez em quando Katrine nos ligava aqui em casa para saber como estávamos mas hoje, pensando bem, acho que ela ligava mesmo era para conferir se a reza tinha dado resultado. Não posso dizer que não. Arranjei emprego, passei com boas notas no mestrado, tive, afinal, uma gravidez e parto muito bem sucedidos, o tratamento do câncer está dando resultados e o linfedema está sob controle. Depois de tudo isso, é ou não é para eu me preocupar?

domingo, 6 de setembro de 2009

Ando meio sumida

É que o bicho está pegando lá no trabalho, com muitos projetos rolando ao mesmo tempo. Um deles é a criação de uma comunidade virtual global de apoio ao IRCT (International Rehabilitation Council for Torture Victims), onde trabalho. Por enquanto, quem quiser mostrar seu apoio ao trabalho da organização pode se tornar fã da página do IRCT no Facebook (http://www.facebook.com/irct.org ) mas estamos trabalhando para criar um site específico para os que querem apoiar a luta ontra a tortura e de apoio à recuperaçao de pessoas que foram vítimas da tortura.

Hassan e Gulizar

A situação de Hassan Gardi talvez seja o mais triste exemplo do quão absurda é a atual política de imigração do governo dinamarquês. Ele 72 anos, é demente, pesa somente 47 quilos, passa boa parte do tempo deitado e depende de ajuda para ir ao banheiro, se lavar e se alimentar. Hassan estava entre os iraquianos que se refugiaram na Igreja Brorsons e, segundo sua esposa Gulizar, ficou completamente desnorteado quando a polícia invadiu o local e tirou todos os refugiados de lá. O jornal dinamarquês information.dk conta que o casal foi colocado no olho da rua e depois de perambular por algum tempo no meio da confusão criada por manifestantes e polícia, foi resgatado por ativistas que agora os mantêm escondidos das autoridades.

A legislação dinamarquesa prevê que refugiados com problemas graves de saúde mental podem ser ganhar permanência na Dinamarca por motivos humanitários. Apesar disso, e contra opinião emitida em laudos médicos, o Ministério que cuida dos pedidos de asilo, ironicamente chamando de Ministério da Integração, rejeitou o pedido de permanência por motivos humanitários a favor de Hassan e Gulizar. Na explicação do Ministério, demência não é doença grave e o fato de Gulizar cuidar do marido é considerado suficiente para justificar enviar os dois de volta para o Iraque.

Que Gulizar seja analfabeta, não tenha uma profissão ou que o ganha pão do casal, uma cafeteria em Erbil no norte do Iraque, tenha explodido nos ares depois que um carro bomba estacionou em frente ao estabelecimento, foi ignorado pelo Ministério da Integração (esse nome quase me dá náuseas). Ainda assim Gulizar mantem as esperanças e tenta tranquilizar o marido dizendo que ele não precisa ter medo porque “estamos num país humano, onde os direitos humanos têm grande significado”. Torço por eles para que ela tenha razão.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Paradoxo

Muito interessante um artigo escrito pelos estudantes da Universidade de Yale Yasmin Zaher and Saned Raouf para o Huffington Post sobre a situacão dos refugiados iraquianos na Dinamarca e a remocão dos refugiados da Igreja Brorsons:
The Modern Making of Refugee Politics
Falam, entre outras coisas, do paradoxo de um país que está no topo do ranking de países com o mais alto grau de felicidade ser o mesmo que impõe repetidos traumas psicológicos aos refugiados iraquianos que lutam por uma chance de ter uma vida decente.

domingo, 23 de agosto de 2009

Bisian

Bisian e sua família estava entre os iraquianos que buscaram refúgio na Igreja Brorsons e entre os cerca de 250 iraquianos que tiveram seus pedidos de asilo rejeitado pelo governo dinamarquês e estão sendo ameaçados de serem enviados de volta para o Iraque. Ela tem 14 anos de idade, não fala árabe e vive na Dinamarca desde os quatro. Nesses dez anos na Dinamarca, ela e a família viveram em campos de refugiados.

A irmã caçula de Bisian nasceu na Dinamarca e tem menos de dois anos de idade. O irmão mais velho, segunda ela conta no site kirkeasyl.dk (site de um movimento de dinamarqueses que apoiam os refugiados iraquianos), sonha em estudar carpintaria mas foi proibido de prosseguir os estudos pelas autoridades dinamarquesas. Algo parecido aconteceu com a mãe de Bisian que começou a fazer um curso de cabeleireira mas teve de parar devido às regras para refugiados à espera de permanência.

Bisian sonha com uma vida “normal” na Dinamarca e teme a violência no Iraque. Lá, ela acha que a família não tem nenhuma chance especialmente porque seu pai está marcado para morrer no Iraque. “Lá há gente atrás dele”.

domingo, 16 de agosto de 2009

Wissam

O Wissam é um rapaz iraquiano de 19 anos de idade que vive na Dinamarca desde que tinha 10.  Ele foi um dos 60 iraquianos que passaram parte do verão deste ano na igreja Brorsons, juntamente com seus pais e irmão mais velho, de 23 anos. Desde 30 de julho ele está na prisão do campo de refugiados de Sandholmlejren.

Wissam e sua família foram presos antes da ação policial na igreja Brorsons. Numa longa entrevista ao jornalista Olav Hergel, na edição deste domingo do jornal Politiken, ele fala sobre sua adolescência na Dinamarca e no medo de voltar para o Iraque, e no quanto ele sonha em ter direito a viver na Dinamarca. Wissam fala dinamarques fluentemente, além de inglês, persa, curdo e árabe e tem uma namorada chamada Rosa. Seu irmão acabou de ser aceito como aluno da Universidade Ténica de Copenhague, mas não sabe se vai poder fazer o curso.

Ele pertence a um grupo étnico, os feyli curdos, dos quais tanto iraquianos quanto iranianos querem se livrar. A advogada da família conseguiu documentar que 15 membros da família de Wissam, que vive numa região próxima a Bagdah, foram mortos nos últimos anos como consequência de perseguição étnica.

sábado, 15 de agosto de 2009

Remoção

Há períodos em que evito ler jornais ou assistir a noticiários dinamarqueses para evitar me aborrecer. Estou num desses períodos. Desta vez, a razão para possível aborrecimento é a expulsão de um grupo de iraquianos de uma igreja de Copenhague, acontecida na madrugada da última quinta-feira .

Os iraquianos tinham ocupado a igreja havia quase três meses (ver Mahabat e seus dois meninos ) e nesse período eu vinha torcendo e quase acreditando, do fundo do meu otimismo ou ingenuidade, que algo aconteceria para que pelos menos alguns fossem autorizados a continuar vivendo na Dinamarca. Mas me esqueci em que país estava e cheguei a ficar chocada quando soube que a polícia havia invadido a igreja Brorsons no meio da madrugada e prendido todos os 17 homens que estavam lá. Nenhuma mulher ou criança foi presa, mas todos tiveram de abandonar a igreja.

Pelos relatos que li e ouvi, inclusive a do pastor da igreja, a remoção dos iraquianos foi dramática. Quando a polícia entrou na igreja, todos os iraquianos se juntaram no altar. Um homem quebrou uma garrafa e ameaçou se cortar, um outro subiu no órgão da igreja e ameaçou pular, mulheres gritavam de desespero enquanto crianças choravam de medo. A invasão aconteceu por volta da uma da madrugada e, por mais que leio que tudo foi feito dentro da lei, nada me convence que não foi mais um da série de atos desumanos da política para refugiados adotada pelo atual governo dinamarquês (mais sobre o assunto em inglês e cenas da ação policial contra um grupo de demonstrantes dinamarqueses que tentou bloquear a passagem do ônibus da polícia que levava os iraquianos).

No dia seguinte à remoção, 15.000 a 25.000 pessoas (como sempre acontece em demonstrações de rua, a quantidade de participantes depende da fonte da informação) se reuniram em frente à igreja para protestar contra a ação da polícia e pedir asilo aos iraquianos. Quando soube da manifestação até fiquei animada. Quem sabe a ação policial não acaba criando uma comoção nacional de apoios aos iraquianos que assim podem afinal conseguir o apoio político necessário para que seus pedidos de asilo sejam reavaliados? pensei novamente do fundo da minha alma otimista ou ingênua. Que nada. No dia seguinte ao da demonstração, pesquisas de opinião pública mostraram que três quintos da população dinamarquesa apoiaram a ação policial.

Conclusão: parei de ler jornais ou páginas da internet da Dinamarca para não morrer de raiva. Até hoje, é claro, quando tive de me atualizar para escrever o blog. Aí deparei com mais uma, duas, não, três histórias de, com o perdão da expressão, cortar o coração: as do Wissam, do Hassan e da Bisian.

sábado, 8 de agosto de 2009

Dia dos pais

Amanhã seria dia de ligar para meu pai e lhe desejar feliz dia dos pais. Na minha família sempre fomos críticos do caráter comercial dessas datas, mas assim mesmo embarcamos sem pestanajar na onda de presentes e reuniões familiares nos dias das mães e dos pais.

Antes de me mudar para a Dinamarca, dia dos pais tinha invariavelmente reunião da família toda em torno de uma churrasqueira e presentes para o meu pai, que nesse dia via uma das vantagens de ter tido cinco filhos.

Para meus irmãos, minha mãe e eu, a semana que antecedia o segundo domingo de agosto era de dúvidas sobre o que dar ao ”melhor pai do mundo” que também podia às vezes se comportar como ”o pai mais chato do mundo”. Como era difícil presentear meu pai. Ferramenta era quase certo que ele ia gostar de receber, mas ele já tinha tanta geringonça que ninguém mais tinha vontade de lhe dar uma nova. Livro era meio complicado, porque, ao contrário da minha mãe, ele nunca foi muito de ler. Roupas ou sapatos, claro, seriam a alternativa mais correta, porque, como minha mãe dizia, ele andaria como um mendigo se não fosse as roupas e sapatos que nós comprávamos para ele. Não que lhe faltasse dinheiro para isso, mas é que ele nunca encontrava tempo para compras.

Mas comprar sapatos e, principalmente, roupas para meu pai, era um esporte arriscado. Nos últimos anos ele ficou mais tolerante, mas durante muito tempo tive a impressão de que nada que eu dava a ele o agradava. Ele sempre agradecia, é claro, mas na primeira oportunidade soltava algo como ”essa camisa é muito bonita mas essa gola não é meio assim como a de um pastor?” ou ”calça de boa qualidade, hein minha filha, pena que falta um bolso aqui”. Pois é, calça comprida para meu pai tinha de ter bolsos, muitos bolsos. No da direita, ele colocava a carteira, no da esquerda, uma cadernetinha, no da perna direita, uma caneta e um canivetinho, no da esquerda, o chaveiro. Nos bolsos dos fundos, nada, claro, porque ”eu também não sou bobo de dar mole para batedor de carteira” A necessidade de bolsos do meu pai Juarez era tanta que ele chegou a mandar alguém costurar bolsos extra em algumas das suas calças.

Nos bolsos iam também as listas de compras de supermercado que ele precisava fazer. Lá em casa sempre foi meu pai o maior responsável pelas compras de supermercado. Nos supermercados, mercadinhos, frutarias e feiras de Taguatinga, ele todo mês deixava boa parte de seu salário de policial militar.

Aliás, para compras de alimentos o seu Juarez sempre tinha tempo. Ele sentia um prazer imenso em abastecer a casa de comida, comida e comida. Acho que talvez porque ele se orgulhasse de nos ver atacando uma melancia deliciosa que ele havia comprado, confirmando o talento dele de quase sempre acertar na hora de comprar frutas e verduras. Ou nos ver devorando um frango assado preparado com um tempero delicioso que já tentei inúmeras vezes copiar. Ele gostava tanto de nos encher de comida, que mesmo no dia dos pais muitas frequentemente era ele que ia para a churrasqueira cuidar da carne, frango e linguiças que passaríamos um dia quase inteiro comendo.

Depois que me mudei para a Dinamarca, disse adeus a esses domingões dos dias dos pais. A preocupação sobre o presente também diminuiu porque depois de algum tempo passei a comprar apenas um presente pelo Natal, aniversário e dia dos pais, e entregá-lo pessoalmente nas minhas visitas anuais ao Brasil. Para mim, no dia dos pais sobrou apenas aquele telefonema, quase sagrado, que eu dava todo ano ao meu pai. Amanhã será o segundo dia dos pais em que nem isso vou poder fazer.

Ai pai. Como a saudade dói.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Direito de todo mundo

Devo admitir que estou ficando mais fã da Suécia. O país começou a me ganhar quando soube que lá eles tratam os refugiados iraquianos com muito mais respeito do que aqui na terra da rainha que é minha xará. E agora, depois de ter passado uma semana em Småland, uma região no sul do país, voltei meio encantada com algumas facetas da sociedade sueca.

Uma delas é o que lá chamam “Allemansrätten”, o que em português seria algo como direito de público acesso ou, numa tradução bem direta, o direito de todos os homens. A tradição e a constituição suecas ditam que todo mundo tem direito a andar, pedalar, correr, cavalgar, esquiar e até mesmo acampar em qualquer área natural, com exceção de jardins particulares, na proximidade de uma residência ou em terra sendo cultivada.

Isso quer dizer que qualquer pessoa pode pegar sua barraca e acampar no meio de uma floresta ou numa praia sem se preocupar se está invadindo uma propriedade particular. Ou levar sua canoa para uma lagoa e remar até cansar. Há algumas restrições quanto a reservas naturais, mas do contrário, toda a beleza natural do país, o que inclui montanhas, lagos, glaciais e florestas está à disposição de quem quiser admirá-la e curti-la. Um visitante pode até colher flores, cogumelos e amoras silvestres, se isso não incluir espécies protegidas. Claro que o direito implica em responsabilidades: o visitante deve proteger a natureza e evitar qualquer dano ao meio ambiente.

Por trás da norma está o princípio de que a natureza pertence e é para ser apreciada por todos. Para mim, um princípio que deveria se transformar em lei universal, embora eu saiba que a ideia causaria arrepios a proprietários de terras de países como o Brasil e a Dinamarca. Ainda assim não consigo deixar de pensar e lamentar os lagos e praias aos quais me foram negados acesso aqui na Dinamarca, as cercas intimidadoras das propriedades rurais no interior brasileiro ou as ilhas particulares de Angra dos Reis.

domingo, 2 de agosto de 2009

Retorno

Voltei hoje à Dinamarca, depois de oito dias no mato sueco, num lugar chamado Lindehult. Ao chegar em casa, o e-mail de uma amiga trouxe uma descoberta: um grupo esloveno, o Perpetuum Jazzile, cantando Aquarela do Brasil de maneira brilhante. Eu nunca poderia imaginar que a música brasileira fosse tão bem cantada por aquelas bandas.

Com eles canta um grupo vocal brasileiro, o BR6, que eu não conhecia e passei a admirar. Sobre eles há um video no Youtube.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Mahabat e seus dois meninos


O governo dinamarquês quer separar a iraquiana Mahabat Rushdi Merza, de seus filhos, um nenê de oito meses e um menininho de quatro anos, e de seu marido. Por mais estranho que pareça, o marido e os filhos de Mahabat receberam autorização para viver temporariamente na Dinamarca, mas o pedido de asilo dela foi recusado e o governo dinamarquês ameaça mandá-la de volta para o Iraque.

Mahabat é uma dos 250 refugiados iraquianos que tiveram seus pedidos de asilo recusados pelo governo dinamarquês, que pretende enviá-los à força de volta para o Iraque. Antes, a falta um acordo entre os dois países impedia que a Dinamarca pudesse obrigar os refugiados a voltar a seu país de origem enquanto o governo iraquiano não quisesse recebê-los. Mas tal acordo foi alcançado no dia 13 de maio passado e, desde então, um grupo de refugiados, em pânico, passou a ocupar a igreja Brorsons, situada perto do centro de Copenhague.

Mahabat, que tem 28 anos de idade, e seus dois filhos fazem parte desse grupo. Ela vive há dez anos na Dinamarca, onde, além dos filhos e marido, também moram sua mãe e quatro irmãos. Assim como ela, sua mãe e os irmãos não receberam permissão para viver na Dinamarca e também estão vivendo na igreja.

domingo, 19 de julho de 2009

Pelo bico

Não resisti e estou repassando o link de um vídeo que está circulando na rede. Um cara mostrando uma jeito simples de descascar uma banana. Segundo ele, do jeito dos macacos. No vídeo, ele tenta primeiro descascar a banana como sempre fez: pelo talo. Depois demonstra o método dos nossos primos macacos: apertando o bico. Já experimentei e dá certo.

Depois desse vídeo revelador, percebi o quanto a internet anda revolucionando minha vida. Todo dia. Até mesmo no descascar de uma banana.

Ah! O link: http://www.youtube.com/watch?v=nBJV56WUDng

terça-feira, 14 de julho de 2009

17 picadas

Acabaram-se as picadas no meu braço a cada três semanas. Ontem recebi a última das 17 doses de Herceptin (trastuzumab), o remédio que deve diminuir as chances de que meu câncer volte a aparecer. Tive de receber esse tratamento extra porque meu câncer de mama, infelizmente, era do tipo HER2 positivo, ou seja, tinha um número anormal de células HER2. Quando a superfície do câncer tem um número excessivo de células da proteína HER2, o tumor é mais agressivo, podendo se espalhar mais rapidamente e com maior possibilidade de reaparecimento. 25% dos casos de câncer de mama são HER2 positivo.

Aliás, ontem fui picada duas vezes já que me submeti a mais um exame cardíaco feito para conferir se o Herceptin não está me causando problemas de coração. O exame mostrou que minhas funções cardíacas estão absolutamente normais. Se não estivessem, eu não poderia receber a última dose de Herceptin.

Meses atrás eu tinha planejado festejar estrondosamente o final do tratamento, mas o dia de ontem passou de forma bem tranquila. Ganhei flores do Henrik e à noite a tia dele ficou com a Gabi para que pudéssemos jantar fora. A noite estava agradável, a cidade cheia de gente. Foi como se estivéssemos comemorando um aniversário de casamento. Um pouco surreal.

Hoje tive um dia normal de trabalho e tudo que está relacionado à doença pareceu ainda mais distante. Mas a falta de um seio e a braçadeira me acompanham e não me deixam esquecer o ano e meio que passou.

terça-feira, 7 de julho de 2009

10 anos

Crianças exiladas fora dos abrigos!
Há crianças vivendo num dos países mais ricos do mundo sem direito a frequentar uma escola normal com outras crianças da mesma idade. Algumas dessas crianças nasceram e nunca saíram desse país, mas ainda assim vivem à margem da sociedade.

Estou em campanha por assinaturas de apoio a 122 crianças que vivem em campos para exilados na Dinamarca. Assinei uma petição e tenho usado Facebook, Twitter, meu e-mail e agora este blog para apoiar a causa, sobre a qual se pode ler no http://www.asylboerneneudnu.dk/ (infelizmente apenas em dinamarquês). O movimento por essas crianças têm três reivindicações básicas: as criancas devem ter o direito de viver fora dos abrigos, elas devem ter direito a viver uma vida mais próxima do normal com seus pais e, juntamente com seus pais, elas devem receber o tratamento necessário para que possam superar seus traumas e retomar suas vidas.

O site conta um pouco da rotina dessas crianças espalhadas em seis abrigos mantidos pelo governo e administrados pela Cruz Vermelha da Dinamarca. Crianças maiores de seis anos frequentam uma escola especial para refugiados da Cruz Vermelha. A maior parte dessas crianças tem de viajar de ônibus diariamente duas horas de ida e volta para chegar à escola especial. A carga horária e a quantidade de disciplinas na escola especial são reduzidos e as crianças não tem direito a prestar exames.

As crianças nos abrigos têm muito pouco contato com crianças dinamarquesas, o que naturalmente dificulta a aprendizagem do dinamarquês. Os abrigos ficam geralmente em áreas isoladas e como os pais têm muito pouco dinheiro para transporte, o resultado é que essas crianças vivem à parte do resto da sociedade, com raras oportunidades de lazer. Principalmente os adolescentes se sentem marginalizados.

A vida nos abrigos é cheia de barulho, confusão e insegurança.. Frequentemente chegam pessoas estranhas enquanto outras pessoas abandonam os centros. A instabilidade das relações faz com que algumas crianças desistam de fazer amigos, se negam a frequentar a escola e se isolem em seus quartos. Nos quartos onde as famílias vivem, há pouco espaço e quase nenhuma privacidade.

Os pais dessas crianças são proibidos de procurar emprego e precisam “bater o ponto” nos abrigos, onde a presença deles é controlada para evitar fugas. Sem trabalho, eles recebem ajuda financeira do governo dinamarquês, que lhes paga quantias bem inferiores à ajuda de custo recebida por cidadãos dinamarqueses e estrangeiros com permanência regular no país..

Tudo isso talvez não fosse razão para grandes problemas se a passagem pelos abrigos fosse curta. Mas todas essas 122 crianças vivem há pelo menos um ano nesses abrigos. Muitas já têm três anos de vida nos abrigos e uma delas vive em abrigos há dez anos. Dez anos. Toda uma infância.

Ninguém pode dizer que essas crianças não têm suas necessidades básicas atendidas. Como eu já frisei numa postagem anterior não lhes falta comida, roupa e teto. Mas a situacão delas me faz lembrar aquela a cancão* dos Titãs que tem o seguinte trecho:

"A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...

A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer..."

*Comida (composição do Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto. Letra completa no http://letras.terra.com.br/titas/91453/)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Seleção de todos os brasileiros

Que legal a vitória do Brasil na Copa das Confederações na África do Sul mas não posso deixar de registrar um constrangimento: a mancada do Kaka e, principalmente, do capitão Lúcio expondo suas preferências religiosas em camisetas sobre o uniforme do Brasil, como descreve o blog do Plínio Bortolotti.

Esse tipo de comportamento é uma afronta a todos os brasileiros não cristãos e ao público internacional que não compartilha da mesma crença ou que ligou a televisão para ver futebol e não para assistir proselitismo religioso.

Daqui da Dinamarca, fiquei envergonhada por tal comportamento. Quando vejo os conflitos religiosos na Europa, costumo me sentir orgulhosa de vir de um país onde a liberdade religiosa impera. Mas o comportamento dos jogadores dá uma impressão completamente errada da sociedade brasileira.

A propósito, o fato gerou notícia num dos maiores jornais da Dinamarca. Confira o link http://politiken.dk/sport/fodbold/article742698.ece do artigo entitulado “Estrelas do futebol fazem propaganda cristã” (Fodboldstjerner reklamerer for kristendommen). Na minha opinião, as fotos são constrangedoras.

Só espero que esse tipo de comportamento não acabe criando antipatia pelo time brasileiro que, normalmente, é recebido com carinho e admiração por povos de todas as crenças.

Sinceramente, acho que os dois jogadores deveriam ser advertidos.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Irã

Estou acompanhando com tristeza, apreensão e um pouco de esperança os acontecimentos no Irã. Ah, como seria bom se a democracia vencesse.

Lembrete linfático

Hoje percebi que o que mais me aborrece em relação ao linfedema é sua visibilidade. A braçadeira que preciso usar quase diariamente torna o problema desagradavelmente visível e volta e meio tenho de responder a perguntas de pessoas, a maioria bem intencionada, que involuntariamente me relembram o motivo inicial do linfedema: o câncer de mama.

O linfedema é a sequela que mais frequentemente me faz lembrar que ainda sou uma paciente de câncer. É também o que mais me obriga a encarar a realidade de que nunca mais serei aquela que fui antes do câncer. Os dias me trazem inúmeros lembretes dessa realidade: de manhã cedo ao vestir a braçadeira, mais tarde brincando com a minha filha, na hora de pegar a sacola pesada de compras do supermercado, quando vou molhar as plantas com o regador cheio d'água, etc.

Afora essa visibilidade, até que estou vivendo bem com esse meu novo mal. Uso a braçadeira e me massageio e de de vez em quando vou à fisioterapeuta, uma moça tão doce a simpática que eu gostaria de rever mesmo que não precisasse do tratamento.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Pólen

Para mim, mês de junho no Brasil é mês de festa junina com batata doce assada na fogueira, curau e canjica. Na Dinamarca, para mim deveria ser o início do verão, com noites claras até as dez da noite e temperaturas mais amenas. Mas, pobre de mim, junho também é mês de coceira insuportável na garganta, ouvidos, lábios e olhos, espirros, e nariz escorrendo. É mês de alergia a pólen de grama, algo que tive o desprazer de conhecer já no meu primeiro verão na Dinamarca, em 1998.

Este começo de verão não está sendo diferente daqueles que passaram. E o inferno alérgico só vai passar quando o pólen de grama parar de infestar o ar daqui, ou seja, daqui a duas ou três semanas.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Que triste a tragédia do vôo 447 da Air France.

Folga real

Permitam-me continuar escrevendo sobre meu rebentos plebeus de indignação com a monarquia dinamarquesa. Minha pequena irritação com as agendas, calendários e folhinhas de geladeira se renovou depois que li uma matéria no jornal Politiken sobre o novo livro da jornalista Trine Villemann, “O Rei e a Rainha da Groenlândia” (Kongen og dronningen af Grønland).

O livro lançado três semanas atrás pode não ser o livro de cabeceira da princesa Mary e seu marido, o príncipe herdeiro Frederik, mas deve certamente estar dando uma boa dor de cabeça ao casal. Na matéria, Trine conta que, de acordo com o calendário oficial de Frederik, em abril ele teve um duro mês de trabalho, com 24 dias de folga e 6 (seis!) dias de trabalho. Detalhe: num dos seis dias de trabalho do príncipe, ele se ocupou do aniversário da filha Isabella. Ôo vida dura, meu Deus.

No livro, a jornalista diz que, embora a lei orçamentária do governo dinamarquês tenha reservado “apenas” 93 milhões de coroas (cerca de R$ 35 milhões de coroas dinamarquesas, em 2 de junho/2009) à família real em 2009, os gastos totais com a realeza devem ser bem maiores e podem chegar a 250 milhões de coroas só este ano. Isso porque a verba explicitamente destinada aos de sangue azul não inclui, por exemplo, as despesas que o Ministério da Defesa dinamarquês tem com a família real. É o Ministério da Defesa que mantém o navio real “Dannebrog” navegando de abril a setembro com a família real a bordo.

A jornalista, que apesar do livro se proclama monarquista, quer que as contas da realeza sejam abertas para que o povo dinamarquês saiba como os de sangue azul estão usando o dinheiro que recebem dos pagadores de impostos. Ninguém, nem mesmo o órgão daqui que fiscaliza as contas do governo, tem acesso às contas da família real que, aliás, também não paga um centavo de imposto sobre os milhões que recebe dos desprovidos de sangue azul. Outro detalhe importante: o desconto de imposto na fonte é de cerca de 40% para todos os dinamarqueses, embora os que recebem salários mais altos paguem bem mais do que isso.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Irritação real

Agenda, folhinha para pendurar na parede e calendário dinamarquês tem algo mais do que as datas religiosas e históricas de praxe: têm registrados também as datas de aniversário de pessoas como a Mary, a Isabella, o Christian, o Henrik, o Frederik, o Henrik, o Joaquim e o Felix. A razão pela qual essas pessoas têm seus nomes impressos na minha agenda e no calendário da geladeira aqui de casa é que todos eles são da família real. Mary é a nora, a Isabella, o Felix e o Christian são netos, o Henrik é o marido e o Frederik e o Joaquim são filhos da rainha Margrethe.

Depois de conferir na minha agenda que tenho hora marcada com minha dentista nesta sexta-feira, descobri, sem pedir, que o aniversário do príncipe herdeiro, o Frederik, é amanhã, 26 de maio. Uau!

A primeira vez que vi um calendário em dinamarquês e vi aqueles nomes de pessoas que não me diziam respeito, achei engraçado. Depois veio uma pequena irritação que dura até hoje e se renova a cada mudança de ano quando começo a usar uma nova agenda ou calendário. Por que é que na minha agenda preciso ser lembrada do aniversário de pessoas que representam um estilo de vida e uma tradição com a qual não concordo? É algo tão compulsório quanto a minha contribuição, através dos impostos que pago, para manter a vida ociosa e fútil da família real dinamarquesa.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A pequena Guantánamo no quintal da Dinamarca

Há pessoas vivendo em condições muito mais desumanas pelo mundo afora do que os refugiados que vivem nos abrigos da Dinamarca. Em alguns casos não há muito que individualmente possamos fazer para mudar essas condições. Mas a situação muda de figura quando se é confrontado com o fato de, perto da sua rotinazinha confortável, viverem pessoas, inclusive crianças, cujas vidas estão sendo destruídas por anos e anos de confinamento num abrigo para refugiados.

Sandholm,que fica a apenas 27 km daqui de casa, é um dos abrigos para refugiados na Dinamarca onde 137 crianças tem vivido por mais de um ano. Um estudo da Cruz Vermelha da Dinamarca mostrou que a experiência de viver mais de um ano nesses abrigos é traumática para essas crianças, que dão sinais de problemas psíquicos e sofrem com os traumas sofridos por suas famílias. Um outro estudo, da Anistia Internacional, revelou que quase metade dos que tentam asilo na Dinamarca, sofreram tortura.

A indiferença com que a sociedade dinamarquesa lida com a situação dessas crianças me choca. É impressionante ver como uma sociedade que cuida tanto de suas próprias crianças prefere ignorar completamente o destino das crianças nos abrigos de refugiados. Essa indiferença é ainda mais difícil de compreender porque acontece num dos países mais ricos do mundo que acabou de passar por um período de vacas gordas na área econômica.

Há felizmente exceções a essa indiferença e a mais antiga é a de um grupo que se chama “Avós a favor de asilo (Bedsteforældre for asyl) que desde 2007 faz todo santo domingo demonstrações pacíficas de protesto contra a política para refugiados em frente aos abrigos. Uma outra exceção foi a de um grupo de jovens que no ano passado tentou fechar simbolicamente o abrigo de Sandholm. A manifestação foi abortada pela polícia e criticada por muitos pelo caráter “violento”.

Mais recentemente, um grupo liderado pela jurista Eva Smith, Crianças refugiadas fora dos abrigos agora (Asylbørneneudnu.dk) , está começando um movimento mais amplo para pressionar o governo dinamarquês a tirar as crianças dos abrigos e proporcionar a elas e suas famílias uma vida normal e tratamento médico para que possam superar os traumas físicos e psíquicos que viveram. A meta do grupo é conseguir 500.000 assinaturas, que corresponderiam a mais ou menos dez por cento da população dinamarquesa.

Segundo Eva Smith, a situação das crianças refugiadas é a “pequena Guantánamo no quintal” dos dinamarqueses. Numa entrevista ao jornal dinamarquês Politiken, Eva diz que, daqui a 30 anos, as gerações futuras vão olhar para trás e se perguntar: “Por que nossos pais não fizeram nada para ajudar essas crianças? Eles sabiam o que estava acontecendo e não fizeram nada”. Tenho medo de imaginar o que minha filha vai pensar de mim.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Balanço

Hoje recebi mais uma dose de herceptin. Agora só faltam três. No final de julho, quando receber a última dose, acho que me sentirei mais leve.

A enfermeira que me aplicou a injeção de heceptin, como é de praxe, me perguntou sobre como eu estava me sentindo ultimamente. Foi novamente hora de fazer uma balanço do meu bem estar. Me surpreendi não tendo muito mais do que reclamar: o inchaço no braço diminuiu e me dei conta de que fazia mais de uma semana que vinha dormindo bem.

As ondas de calor continuam, às vezes quase me deixando louca, mas sinto que aos poucos sua intensidade e frequência estão diminuindo.

Meu corpo dá outros sinais de, finalmente, estar voltando ao normal. Meu cabelo voltou a crescer mais rapidamente, depois de um período com crescimento bem lento. Também tenho percebido que as dores dos músculos das pernas, que tem me acompanhado desde a quimioterapia, estão mais fracas.

As mudanças para melhor estão acontecendo bem mais lentamente do que eu gostaria, mas pele menos estão acontecendo.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Festa

Fizemos uma festa aqui em casa no sábado passado. Na falta de um motivo, dissemos que a festa era para comemorar a primavera que, afinal, chegou à Dinamarca. A propósito, abril foi o mês mais quente e com mais horas de céu ensolarado deste país desde que começaram a registrar o clima, mais de dois séculos atrás. A temperatura média atingiu 9,4 C e foram 272 horas de céu claro. Para se ter uma ideia, no período 1961-1990, a temperatura média em abril foi de apenas 5,7 °C e as horas de céu claro não passaram de 162 horas.

Em suma, o Henrik, eu e nossos convidados, entre brasileiros, dinamarqueses e colegas de vários países do meu trabalho, tínhamos bons motivos para comemorar, mesmo porque aqui na Dinamarca é bom celebrar o bom tempo antes que ele acabe. Há quem faca piadas dizendo que, em alguns anos, temos sorte porque o verão cai num fim de semana.

Minha filha passou a noite na casa de uma tia do Henrik, o que nos deu liberdade para cantar berrando alguns dos sambões que colocamos para tocar. ”Aquarela Brasileira”, de Sila de Oliveira, na voz de Martinho da Vila, por exemplo, ou pular como loucos ao som das Frenéticas cantando “Dancing Days”.

Dancei como há muito tempo não dançava mas lá pelas tantas senti um cansaço anormal nas pernas, o que me fez lembrar que os efeitos da quimioterapia, ou da menopausa antecipada pelo tratamento, ainda incomodam.

Uma amiga que me ligou no dia seguinte e disse que se impressionou com meu pique. ”Era como se fosse a sua última chance de dançar na vida”. Achei graça. Talvez eu devesse fazer isso mais vezes: dançar como se fosse a última vez.

domingo, 26 de abril de 2009

Iraquianos na Dinamarca

Um artigo da jornalista Anita Bay Bundegaard, no jornal dinamarquês Politiken, alguns dias atrás, trouxe números que me chocaram: 184 iraquianos vivem há pelo menos sete anos, alguns há 12 anos, num abrigo para refugiados que tentam conseguir asilo na Dinamarca.

O governo dinamarquês, seguindo à risca sua rígida política de asilo, recusou asilo a esses 184 iraquianos que, no entanto, se negam a voltar para seu país. A Dinamarca não pode obrigar os iraquianos a voltar porque o governo iraquiano não quer recebê-los. Talvez porque já tenham problemas de sobra no Iraque. Enquanto os dois países não se entendem, os iraquianos vivem como párias: têm suas necessidades básicas atendidas mas não podem participar ativamente da sociedade que lhes dá comida, roupa e teto. São proibidos de trabalhar e obrigados a viver no abrigo chamado Sandholm, que alguns dinamarqueses já começaram a chamar de campo de concentração.

A jornalista Anita Bay Bundegaard comparou a questão dos refugiados iraquianos na Dinamarca e no país vizinho, a Suécia. Os suecos receberam 60 por cento de todos os iraquianos que fugiram para a Europa depois da Guerra do Iraque. Desde o início do conflito, a Suécia recebeu mais de 9,000 refugiados. Lá os refugiados têm permissão para trabalhar e morar em residências como o resto da sociedade.

O curioso é que a Suécia não participou da invasão do Iraque. A Dinamarca, ao contrário, foi um dos poucos países europeus a entrar na coalizão que invadiu o Iraque em 2003.

Ironicamente, enquanto a Dinamarca pressiona em vão o governo iraquiano a receber os refugiados de volta, a Suécia e o Iraque assinaram um acordo que prevê o retorno dos refugiados que estão em solo sueco. Aliás, a Suécia já conseguiu que três mil refugiados voltassem voluntariamente para casa.

Na opinião de Anita Bay Bundegaard, ali na Suécia, vivendo como parte da sociedade que os recebeu, os refugiados mantém sua dignidade, podem estudar e tentar se manter no mercado de trabalho e assim se sentem mais fortes e preparados para retornar ao país de origem.

Aqui na Dinamarca, sem poderem trabalhar e à margem da sociedade, os refugiados estão desaprendendo o que sabiam e aprendendo a viver na dependência de uma sociedade que não os quer. Casos de depressão e outros problemas psíquicos são comum entre os refugiados de Sandholm. O relato de uma ex-refugiada, Dina Yafasova, parece confirmar a tese de Anita. Segundo Dina, que acabou de escrever um livro sobre o assunto, "viver num abrigo como o Sandholm não é aparentemente tão ruim. As pessoas tem um lugar para dormir, roupa e comida. O pior de lá, algo que não se percebe imediatamente mas talvez apenas depois de um mês ou coisa parecida, o pior de lá é o clima de prisão”.

Colocar pessoas fugidas da guerra num lugar que parece uma prisão não deve mesmo ser bom para a saúde mental dessas pessoas. O pior é se a “prisão” se estende por dez, onze, doze anos.

É difícil não concordar com Anita.

sábado, 25 de abril de 2009

Atrasos

Esta semana fui novamente ao hospital para receber a décima terceira injeção de hercepetin. Agora só faltam 17.

A trapalhada que causei nas últimas duas vezes que recebi o tratamento parece indicar que estou me cansando dessas idas ao hospital. Na vez anterior, antes de ir para o hospital decidi tirar um cochilo para me recuperar um pouco da noite mal dormida. Deitei para dormir meia hora e caí num sono pesado do qual só acordei cinco minutos depois do horário marcado para estar no hospital. Dei um pulo da cama, me arrumei a jato e, ao invés de pedalar até o hospital, tomei a decisão errada de pegar o carro achando que chegaria mais rápido. Que nada. Peguei um pequeno engarrafamento e ao chegar ao estacionamento do hospital, não havia vagas desocupadas no espaço reservado aos carros dos pacientes. Rodei uns quinze minutes atrás de uma vaga e fui obrigada e estacionar a quase um quilômetro do hospital. Conclusão: cheguei na clínica onde receberia a injeção com mais de uma hora de atraso. As enfermeiras, simpáticas como sempre, não reclamaram e recebi o tratamento como planejado.

Esta semana a trapalhada foi semelhante. Tinha certeza que meu tratamento estava marcado para as 14:30 horas, mas quando cheguei ao hospital, acreditando que estava dando exemplo de pontualidade, uma enfermeira me avisou que já estavam desistindo de esperar por mim. Não entendi e ela explicou que meu tratamento estava marcado para as 13:30 horas. “Ups!”, respondi. Por algum motivo inexplicável, anotei o horário errado na minha agenda e esqueci de conferir o cartão de consultas do hospital, onde o horário havia sido corretamente anotado por uma enfermeira. Novamente, as enfermeiras foram simpáticas e me atenderam sem reclamar.

Eu já havia decidido que, depois da última sessão de herceptin eu iria comprar uma caixa de chocolates para as enfermeiras da clínica onde recebo tratamento como uma pequena demonstração de agradecimento pelo carinho e atenção com que elas têm me tratado. Depois dessa semana, acho que terei de comprar duas caixas.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Mesmice

Logo que soube que estava com câncer, li todos os artigos e reportagens que achava pela frente sobre pessoas que também haviam enfrentado a doença. Eu queria aprender com quem já havia tido câncer como enfrentar o estigma da doença e como superar o tratamento da melhor maneira possível .

Ler tais textos foi inicialmente muito útil. Achei inspiração, dicas e algumas boas informações e sou grata às pessoas que se dispuseram a falar da doença.

Mas depois de algum tempo comecei a me cansar desse tipo de leitura. Nessas reportagens e artigos muitos dos pacientes e ex-pacientes de câncer falam sobre como a vida deles e eles próprios se transformaram depois da doença. Vários contaram como, por exemplo, perceberam o real valor da vida depois que descobriram estar com uma enfermidade que poderia ser fatal. Uma paciente disse como passou a admirar a beleza de uma simples flor. Um outro diz que passou a dar mais valor às pequenas e aparentemente insignificantes coisas da vida. Alguns falam sobre como se tornaram melhores pessoas.

Longe de mim menosprezar ou duvidar das descobertas e conquistas que o câncer tenha trazido a algumas pessoas, mas acho que muitas vezes os textos jornalísticos sobre o assunto mais parecem sinopses piegas de livros de auto-ajuda para leitores com câncer.

Pode ser que meu olhar crítico sobre tais textos seja resultado de um pouco de inveja: não tenho notado em mim todas essas transformações que tantos pacientes contam ter visto em si mesmos. A doença não me tornou, por exemplo, uma “Pollyanna depois do câncer” que só vê lado cor-de-rosa de todos os acontecimentos por que passa.

Claro que não estou passando incólume pelo câncer, mas também não acho que a doença esteja tendo nenhum poder purificador do meu espírito ou alma. Continuo com alguns defeitos que ainda me irritam muito. Dar importância demais a coisas sem importância é um deles. Nos últimos meses percebi que, infelizmente, coisas sem importância continuam me encasquetando muito mais do que deveriam.

Como antes da doença, continuo admirando a beleza de uma flor ou a magnificência do pôr de sol avermelhado de Brasília e valorizando o prazer de estar com as pessoas que amo. Também ainda me debato com mais ou menos os mesmos dilemas e insatisfações de antes do câncer.

Uma coisa talvez esteja mudando. Acho que estou aprendendo a usar melhor o meu tempo, que corre sem parar. Que a vida é curta fica-se ainda mais convencido depois de recebermos um diagnóstico de tumor maligno no seio. Fazer o que é mais importante primeiro se tornou muito importante para mim, embora eu ainda às vezes me encontre na dúvida sobre o que é realmente importante. Mas até mesmo priorizar o que fazer do meu tempo não é algo que, de repente, comecei a fazer no dia seguinte ao diagnóstico de câncer de mama. É algo que ainda estou aprendendo a fazer.

O câncer pode estar desencadeando algumas mudanças no meu modo de levar a vida, mas não foi aquele raio de luz que me transformou numa outra pessoa. Sou a mesma Margareth, nem pior, nem muito melhor, apenas mais grata a várias pessoas queridas, à medicina e ao sistema público de saúde da Dinamarca.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Primavera

Depois de uma semana de férias na Alemanha e depois na Jutlândia, a parte continental da Dinamarca, estou de volta a Copenhague curtindo mais uma semana de folga. Mas, para quem mora em casa na Dinamarca, folga do trabalho raramente significa folga em casa. Abril aqui em casa é mês de, entre outras tarefas, semear flores de verão, colocar vasos de plantas para fora e no terraco, podar e adubar rosas, capinar e cortar a grama. É uma trabalheira danada que eu adoro. Na minha próxima vida nascerei jardineira.

sábado, 4 de abril de 2009

A quentinha e a crise

Sinais da crise na Dinamarca: está deixando de ser feio sair de um restaurante com uma quentinha contendo o resto da refeição que não foi comida.

Anos atrás, quando comentei numa roda de dinamarqueses que no Brasil era comum pedir ao garçom que embalasse o resto da comida numa quentinha, provoquei risadas sarcásticas. Acharam um absurdo, meio ridículo. Pelo olhares senti que achavam que isso era coisa de país de terceiro mundo.

Agora a DR, maior grupo dinamarquês na área de comunicação, com dois canais de televisão e várias estacões de rádio, está promovendo uma campanha para convencer os dinamarqueses de que levar quentinha para casa não é nenhuma vergonha e, dependendo do caso, pode até ser bom para o meio ambiente.

A DR fez uma pesquisa e descobriu o que eu já sabia: que os dinamarqueses ainda acham constrangedor pedir ao restaurante para levar o resto da com ida para casa. Os donos dos restaurantes, ao contrário, se mostram dispostos a empacotar o resto da comida, se os clientes pedirem, o que raramente acontece.

Mas agora, com a crise econômica e aquecimento global talvez a quentinha entre na moda. Ainda mais porque os dinamarqueses adoram copiar o que acontece nos Estados Unidos, onde o hábito da quentinha, que lá se chama doggy bag já se pratica há muito tempo.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Pouco mais de um ano depois

Se passou um pouco mais de um ano depois da operação que me deixou, costumo dizer brincando, mais despeitada do que sempre fui.

No ano passado, antes de toda essa maratona de tratamento, as enfermeiras me disseram que, para evitar que eu ficasse atordoada e confusa com um bombardeio de informações, depois de cada fase do tratamento que eu terminasse, elas iriam me dar detalhes da fase seguinte.

Bem mais tarde é que percebi que isso não passava de uma estratégias que médicos e enfermeiras usam para conseguir levar os pacientes até o final do tratamento. Eles não mentem, mas também não contam a verdade de uma só vez.

Foi assim antes de ser operada. Me falaram que eu perderia um seio, me prepararam para as dificuldades do período pós-operatório e do treinamento ao qual teria de me submeter para recuperar o movimento do braço e ombro esquerdos. Me avisaram que eu teria de passar pela quimioterapia e radioterapia, mas não entraram muito em detalhes.

Semanas depois da operação começaram a me encher de informações sobre a lista quilométrica dos efeitos colaterais da quimioterapia. Depois da quimioterapia, quando achei que o que faltava do tratamento era fichinha, me prepararam para a radioterapia que, no final das contas, não achei assim tão fácil como eu havia previsto.

Um ano atrás, eu sabia que iria passar por alguns dos meses mais difíceis da minha vida. Mas não imaginei que seriam tão difíceis.

Um ano atrás, eu me achava mais forte e resistente do que acabei descobrindo que eu era.

Mas esse ano não foi só de dor e mal estar.

Um ano atrás eu não sabia que tinha tantos amigos. Não sabia que havia tanta gente que se importava e se preocupava comigo.

Eu achava que minha família sempre estaria comigo para o que desse e viesse. Mas esse ano me trouxe a certeza de que eles sacrificariam o que fosse necessário para estar ao meu lado.

Pouco mais de um ano atrás eu talvez me sentisse mais solitária e menos amada.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Linfedema

Aleluia! Hoje finalmente me livrei da faixa que vinha cobrindo meu braço esquerdo por mais de quatro semanas e comecei a usar um tipo de braçadeira e luva de compressão feitas sob medida para manter o linfedema sob controle.

Como parte do tratamento contra o linfedema, tive que andar por 30 dias , quase 24 horas por dia, com o braço esquerdo enfaixado. O enfaixamento, composto de gaze coberta por uma camada de algodão que, por sua vez, era coberta por uma compressa elástica deixou meu braço pesado e com os movimentos limitados. Além disso, a pele sob o enfaixamento coçava horrores e, como as faixas cobriam parte da mão, até a metade dos dedos, diversas atividades e tarefas rotineiras como fazer comida, dar banho na Gabi ou simplesmente lavar as mãos depois de uma mijadinha ficaram seriamente afetadas.

Para fazer comida e dar banho na Gabi tive que usar uma luva de plástico. Depois das idas ao banheiro, lavava como podia a mão direita e na esquerda borrifava álcool para desinfetar.
Vestir e tirar o casaco de inverno se tornou uma luta e, para meu constrangimento, algumas vezes tive que pedir ajuda porque a manga ficava presa na mão coberta pela faixa tripla. Meu vestiário nas últimas semanas limitou-se a três camisetas e blusas cujas mangas eram largas o suficiente para dar espaço para meu braço engordado pela faixa. E as ondas de calor, que continuam me molestando, ficaram ainda mais desagradáveis no braço coberto pelo enfaixamento.

O tratamento incluiu também duas semanas com sessões diárias de fisioterapia, o que complicou bastante o dia-a-dia. Todo dia, antes ou depois do trabalho, fui à fisioterapeuta, onde tirava as faixas, tomava banho e recebia a massagem chamada drenagem linfática. Depois a fisioterapeuta me enfaixava. Nos finais de semana, eu mesma me enfaixava.

Toda essa novela era para ter durado duas semanas mas a entrega da braçadeira e da luva, que eu esperava iria demorar uma semana, levou três semanas para acontecer. Para não correr o risco de colocar todo o tratamento a perder, continuei usando o enfaixamento.
Pelo menos todo esse trabalho está dando bons resultados. O inchaço diminuiu bastante e é quase imperceptível. De qualquer maneira terei de continuar usando a braçadeira e a luva por mais um bom tempo para ter certeza que o linfedema está sob controle. Também tenho de aprender a viver com a possibilidade de o braço voltar a inchar e a tomar precauções para evitar que o linfedema aumente.

Aliás, um site em português com boa informação sobre o linfedema é vivacomlinfedema.com/

segunda-feira, 9 de março de 2009

Seis horas

Acordei no meio da noite. Em mais uma das minhas estratégias para tentar dormir melhor, tinha me prometido que quando acordasse durante a noite por causa de uma onda de calor, não iria conferir as horas. Mas não resisti e olhei para o relógio da mesinha de cabeceira. Para minha surpresa eram 5:34. Isso queria dizer que em havia dormido seis horas ininterruptas. Nossa, era um recorde! Fazia semanas que eu não dormia tanto.

Isso foi três ou quatro noites atrás. Desde então voltei ao ritmo de acordar três vezes por noite por causa dessas malditas ondas de calor. Mas ainda assim durmo melhor do que dormia dois meses atrás, quando havia noites em que as ondas de calor me despertavam cinco ou seis vezes. Acho que posso ser otimista quanto às minhas chances de realizar o sonho de voltar a dormir sete, oito horas sem interrupção.

terça-feira, 3 de março de 2009

45, a missão

Na semana passada, no meu trabalho, houve um almoço para comemorar o aniversário de uma colega que completou 60 anos. Aqui na Dinamarca é hábito se comemorar o aniversário de funcionários que completam “anos redondos”, ou seja, anos às dezenas (30, 40, 50 etc). Lá pelas tantas, no discurso de agradecimento, essa colega disse que não se importava em estar ficando velha. Pensei com meus botões: será que quando eu chegar aos 60 também vou deixar de me importar com o envelhecimento? No fundo fiquei com uma ponta de dúvida: sera que aquela amiga estava dizendo a verdade?

Seria legal envelhecer com serenidade, como ouço algumas pessoas dizerem que conseguem fazer mas duvido um pouco da minha “elevação espiritual” para isso. Não que eu pense em sair por aí pagando para me esticarem aqui e acolá e lavantarem aquilo outro. Meu medo do envelhecimento não chega a ser maior do que meu medo do ridículo. Mas a perspectiva de ficar e parecer mais velha, ficar mais lenta, fraca e menos disposta e todas as coisas ruins que associamos com o avançar dos anos me incomoda.

O que mais me assusta não é o envelhecimento físico, mas o mental. Pensar que com o correr dos anos terei mais dificuldade de aprender coisas novas e que a memória pode falhar me deixa quase irritada.

Para nadar contra a corrente, invento coisas que, dizem, ajudam a manter a mente sã. Escrever é uma delas.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

45

Um dia desses completei 45 anos. 45? Será que entendi certo? Será isso mesmo? 45?

Acho que vou conferir minha certidão de nascimento. Está guardada em algum lugar. Quem sabe descubro que na verdade nasci uns aninhos mais tarde.

Mas se eu for mais nova do que acho que sou, a situação se complica por outro lado. Aí estarei bem derrubadinha para os meus, vamos dizer, 35.

O melhor é desistir de conferir a certidão de nascimento e me conformar com talvez ter vivido mais da metade da minha vida.

Anos atrás, antes de chegar aos 40, decidi que meu alvo seria viver até pelo menos os 80. Decretei que para mim, viver 80 anos seria de bom tamanho. O que viesse depois seria lucro. Isso quer dizer que já passei da metade da minha vida mínima.

Mas depois da morte do meu pai, aos 66 anos, e da descoberta do câncer de mama, repensei mas mantive meu decreto. Continuo almejando os 80, no mínimo, mas evito as estatísticas que dizem que pessoas que já foram atingidas pelo câncer tendem a viver menos. Um dos motivos é que quem já teve câncer uma vez tem maiores chances de sofrer da mesma doença uma segunda vez.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pérolas da polícia dinamarquesa

Um dia desses, no final de uma demonstração contra o ataque israelense a Gaza, um policial ordenou que um dos manifestantes de origem palestina e sentasse. ”Você se senta agora ou eu faco você sentar. Você entendeu, perker (ou perle)”? Entendeu?”

”Perker” é uma gíria dinamarquesa resultado da juncão das palavras perser (persa) com tyrker (turco) e tem sentido extreamente depreciativo. É usada por muitos dinamarqueses para se referir negativamente a imigrantes do Oriente Médio e países de maioria muçulmana.

Para azar do policial, a cena foi gravada e depois mostrada pela imprensa dinamarquesa e em diversos sites (http://www.dr.dk/Nyheder/Indland/2009/01/22/155818.htm )
A história talvez não desse tanto pano para manga se a diretora da Polícia de Copenhague Hanne Bech Hansen não saísse em defesa do policial dizendo que o que talvez ele tenha dito fosse ”perle” (pérola), ao invés de ”perker”. Segundo ela, pérola é um jargão policial sem sentido pejorativo.

Depois da interferência infeliz da diretora da polícia, o caso virou piada nacional. Um especialista foi chamado para opinar e disse que mais provavelmente o policial disse mesmo ”perker”. Facebook tem agora diversos grupos que ironizam ou protestam contra a atitude discriminatória da policia - o maior deles sob o nome ”Eu também sou uma pérola” com mais de 33 mil membros per 9 de fevereiro. Também já é possível comprar uma camiseta azul e branca, as cores da polícia local, com a palavra ”perle”.

A provável atitude racista do policial não chega a me surpreender, mas a capacidade da direção da polícia se expor ao ridículo é de cair o queixo.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Entre a cruz e a caldeirinha

Na minha luta contra as noites insones, na semana passada fiquei entre a cruz e caldeirinha. Duas ou três noites depois de começar a tomar Catapresan para tentar controlar as ondas de calor, achei que o tal remédio estava fazendo efeito. A frequência das ondas de calor não diminuiu mas elas ficaram menos intensas.

Infelizmente, as noites insones continuaram porque, embora as ondas de calor tenha incomodado um pouco menos, a insônia aumentou. Conferi novamente a bula do remédio e lá encontrei o que já esperava: insônia na lista de possíveis efeitos colaterais. Esperei mais alguns dias e como as noites mal dormidas continuaram, desisti do tal remédio.

Agora estou de volta às intensas ondas de calor que, felizmente, não me impediram de dormir relativamente bem nas últimas três noites, talvez como efeito da presença calmante da visita de uma de minhas irmãs.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Jogando a toalha

Depois de mais uma noite insone joguei a toalha. Hoje fui à uma farmácia comprar um remédio que talvez ajude a controlar as ondas de calor que me invadem dia e noite, noite e dia e que há meses me impedem de ter uma boa noite de sono. Já não me lembro a última vez em que dormi oito, sete, seis ou até mesmo cinco horas seguidas.

Estou ficando cansada dessas noites mal dormidas ou mesmo insones, como foi a passada.

Ontem, quando fui ao hospital receber mais uma injeção de herceptin, tive também uma consulta com um médico simpático que nunca tinha visto antes. Ele me receitou um comprimido que, pelo que se sabe, só funciona em 20% dos casos. Perguntei se o tal remédio tinha muitos efeitos colaterais e ele me garantiu que eu talvez apenas sentisse uma queda de pressão. Para quem, como eu, já tem pressão normalmente baixa, o tal efeito colateral não foi boa notícia, mas decidi arriscar usar o tal remédio na esperança de estar entre as 20%.

Hoje à noite tomei o primeiro comprimido. Antes, conferi a bula e me assustei com a lista comprida de possíveis efeitos colaterais que, além da queda de pressão, inclui, por exemplo, prisão de ventre, insônia, depressão, dor de cabeça, alucinações, enjoo, impotência. Estou torcendo para que, além de estar entre as 20% para quem o remédio funciona, também esteja entre as que não sente efeitos colaterais.

Daqui a pouco vou para a cama sonhando com uma boa noite de sono.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pai nosso

Eu não deveria mais ficar chocada com alguns dos absurdos que ouço aqui na Dinamarca, mas algumas vezes é inevitável.

Alguns dias atrás a imprensa daqui se ocupou sobre se ocupou com uma discussão sobre se os alunos de primeiro grau devem ou não, antes de entrar em sala de aula, serem reunidos para rezar o Pai Nosso.

Uhuuuu! Estamos ou não num pais que se diz democrático e moderno em pleno século XXI? Isso não implica que as escolas são para todos, independentemente da religião ou falta de religião dos alunos? Não cabe aos pais decidir sobre a orientação religiosa dos filhos e mais tarde às próprias crianças de que igreja elas vão fazer parte?

Aqui na Dinamarca parece que não é bem assim. Tanto que o ministro da educação teve o desplante de sair defendendo o direito de escolas públicas determinarem que os alunos rezem juntos o pai nosso antes do início das aulas. Na opinião do ministro, pertencente a uma das correntes mais conservadoras da igreja luterana dinamarquesa, os pais que não concordarem com a reza podem pedir a direção das escolas que seus filhos sejam dispensados da obrigação religiosa.

O ministro, o mesmo que anos atrás esteve à frente do endurecimento da legislação que trata dos migrantes na Dinamarca, prefere ignorar que as crianças de famílias ateias ou de outras religiões, que são minoria, vão naturalmente se sentir estigmatizadas.

Dias depois da declaração infeliz, o ministro voltou atrás e disse que foi mal entendido, que na verdade apenas quis dizer que as escolas devem ter o direito de decidir se seus alunos devem ou não rezar o pai nosso.

O dito ficou pior ou tão ruim quanto o desdito. No final das contas, as 15 escolas públicas dinamarquesas onde ainda se reza o pai nosso vão continuar tendo direito a fazê-lo.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Aterrissando

Não tem sido fácil voltar à rotina na Dinamarca, o que aliás tem me surpreendido já que deixar o Brasil não foi tão doloroso desta vez. Parti sem lágrimas, talvez porque sabendo que logo receberia a visita de uma de minhas irmãs e de que planejamos retornar em breve.

Mas dias depois da chegada as coisas ficaram um pouco confusas. Ainda não consegui me reorganizar para conseguir encaixar tudo o que quero fazer e tenho me sentido um pouco frustrada.

O clima não ajuda em nada. Acho que janeiro é o mês mais chato do ano por aqui. Os dias são desanimadores: curtos, escuros e, claro, muito frios.

O blog anda meio abandonado, ainda não consegui voltar a correr como estava fazendo antes de viajar para o Brasil, onde relaxei com a ginástica e alimentação. Continuo dormindo mal por causa das insuportáveis ondas de calor que invadem meu corpo várias vezes todas as noites.

A pequena boa notícia é que aparentemente a fisioterapia para tratar o linfedema surgido no braço esquerdo durante a radioterapia está começando a surtir efeito. Meu braço está menos inchado e raramente sinto algum desconforto por conta do problema. Em fevereiro deverei me submeter a sessões de fisioterapia mais frequentes e começar e começar a usar enfaixamento.

O aparecimento do linfedema me chateou um bocado, mas não me sinto estigmatizada por causa do problema. Mais me irrita do que entristece saber que terei que lidar com isso o resto da vida, mas também não é o fim do mundo. Vejo isso mais como um aborrecimento do que como uma deficiência e me nego a deixar de ter uma vida normal por causa disso.

A propósito, o que é mesmo uma vida normal?

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Gaza

Hoje, meu primeiro dia de trabalho depois das férias, foi impossível manter distância da tragédia que os ataques israelenses estão causando à população palestina em Gaza. Meu inbox estava repleto de e-mails desesperados de funcionários dos centros para tratamento de vítimas de tortura que são membros do IRCT, a organização onde trabalho. Covardemente, não olhei as fotos dos estragos causados pelos bombardeios israelenses que me enviaram, muitas delas mostrando o assassinato de crianças palestinas.

Nas férias no Brasil foi fácil me manter distante do horror da guerra em Gaza: era só evitar a televisão e a internet. Aqui esta guerra está mais próxima geograficamente e também do meu dia a dia no trabalho, onde preciso diariamente encarar tragédias como essa.

Retorno

De volta à Dinamarca depois de quase três semanas no Brasil. De volta à escuridão depois das quatro e meia da tarde, que só termina às oito da manhã. Na chegada, no sábado, deu vontade de voltar para o avião que nos trouxe da conexão em Lisboa. Eram três horas da tarde, mas parecia bem mais tarde por causa do céu completamente coberto por nuvens escuras e que pareciam estar a poucos metros de altura.