sexta-feira, 17 de abril de 2009

Mesmice

Logo que soube que estava com câncer, li todos os artigos e reportagens que achava pela frente sobre pessoas que também haviam enfrentado a doença. Eu queria aprender com quem já havia tido câncer como enfrentar o estigma da doença e como superar o tratamento da melhor maneira possível .

Ler tais textos foi inicialmente muito útil. Achei inspiração, dicas e algumas boas informações e sou grata às pessoas que se dispuseram a falar da doença.

Mas depois de algum tempo comecei a me cansar desse tipo de leitura. Nessas reportagens e artigos muitos dos pacientes e ex-pacientes de câncer falam sobre como a vida deles e eles próprios se transformaram depois da doença. Vários contaram como, por exemplo, perceberam o real valor da vida depois que descobriram estar com uma enfermidade que poderia ser fatal. Uma paciente disse como passou a admirar a beleza de uma simples flor. Um outro diz que passou a dar mais valor às pequenas e aparentemente insignificantes coisas da vida. Alguns falam sobre como se tornaram melhores pessoas.

Longe de mim menosprezar ou duvidar das descobertas e conquistas que o câncer tenha trazido a algumas pessoas, mas acho que muitas vezes os textos jornalísticos sobre o assunto mais parecem sinopses piegas de livros de auto-ajuda para leitores com câncer.

Pode ser que meu olhar crítico sobre tais textos seja resultado de um pouco de inveja: não tenho notado em mim todas essas transformações que tantos pacientes contam ter visto em si mesmos. A doença não me tornou, por exemplo, uma “Pollyanna depois do câncer” que só vê lado cor-de-rosa de todos os acontecimentos por que passa.

Claro que não estou passando incólume pelo câncer, mas também não acho que a doença esteja tendo nenhum poder purificador do meu espírito ou alma. Continuo com alguns defeitos que ainda me irritam muito. Dar importância demais a coisas sem importância é um deles. Nos últimos meses percebi que, infelizmente, coisas sem importância continuam me encasquetando muito mais do que deveriam.

Como antes da doença, continuo admirando a beleza de uma flor ou a magnificência do pôr de sol avermelhado de Brasília e valorizando o prazer de estar com as pessoas que amo. Também ainda me debato com mais ou menos os mesmos dilemas e insatisfações de antes do câncer.

Uma coisa talvez esteja mudando. Acho que estou aprendendo a usar melhor o meu tempo, que corre sem parar. Que a vida é curta fica-se ainda mais convencido depois de recebermos um diagnóstico de tumor maligno no seio. Fazer o que é mais importante primeiro se tornou muito importante para mim, embora eu ainda às vezes me encontre na dúvida sobre o que é realmente importante. Mas até mesmo priorizar o que fazer do meu tempo não é algo que, de repente, comecei a fazer no dia seguinte ao diagnóstico de câncer de mama. É algo que ainda estou aprendendo a fazer.

O câncer pode estar desencadeando algumas mudanças no meu modo de levar a vida, mas não foi aquele raio de luz que me transformou numa outra pessoa. Sou a mesma Margareth, nem pior, nem muito melhor, apenas mais grata a várias pessoas queridas, à medicina e ao sistema público de saúde da Dinamarca.

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