sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Dez coisas para fazer ao mesmo tempo agora

Voltar à normalidade está sendo mais difícil do eu imaginava. O desconforto físico e cansaço causados pela quimio e radioterapia diminuíram bastante. É verdade que ainda sinto um pouco de cansaço muscular, o inchaço no braço e as ondas de calor continuam, e a pele afetada pela radioterapia ainda está se recuperando mas, como dizem os dinamarqueses, esses são desconfortos do “departamento de coisinhas pequenas”.

O que ainda está pegando é um certo cansaço mental meio difícil de explicar. Se antes dez coisas para fazer ao memo tempo agora me deixavam agoniada, agora três coisas são suficientes para me deixarem com os nervos à flor da pele.

Eu tinha imaginado que talvez pudesse voltar a trabalhar normalmente em outubro, mas já avisei meu chefe que não vai dar. Continuarei trabalhando em tempo parcial, embora aumente gradualmente o número de horas no escritório.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Recruta

Assumi minha careca. Ou minha quase careca já que, segundo meu marido, não se trata mais de uma careca e sim de um visual recruta.

A reação de amigos e colegas de trabalho ao meu novo visual tem sido positiva às vezes divertida. Alguém disse “Adorei seu cabelo novo” ao que fui obrigada a corrigir “Minha falta de cabelo, você quer dizer”.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Desconforto

Estou me cansando de sentir dores, sejam elas grandes ou pequenas. Hoje fui ao hospital para receber a terceira dose de herceptin, o tratamento que deve ajudar a prevenir que o câncer volte. Assim que vi a jovem e aparentemente inexperiente enfermeira que deveria me fazer a aplicação intravenosa, tremi nas bases. Ai, pensei, vai doer.

Na verdade a espetada que ela me deu doeu só um pouco mais do que o normal e nem deveria ter sido motivo para pânico, mas acho que minha resistência à dor, que eu antes considerava boa, está diminuindo.

É que estou de saco cheio de sentir dor e desconforto físico. Depois da tormenta que foi a quimioterapia, nas últimas semanas tenho penado com a queimadura causada pela radioterapia. Bem que as enfermeiras haviam me avisado que o desconforto causado pela queimadura iria piorar nas duas semanas seguintes ao término da radioterapia. Elas estavam certíssimas.

Cebola

O outono chegou. Esta semana já houve manhã com menos de três graus.

Resisto enquanto posso e ainda não sucumbi aos cachecóis, luvas e botas. Todo ano retardo ao máximo a época de me transformar numa cebola, cheia de camadas e camadas de roupas, como definiu uma ex-colega de trabalho. Retardo o momento da metamorfose porque tenho a impressão de que a partir do momento em que me cobro de camadas, não consigo mais removê-las por sete meses, que é o tempo que o outono e inverno duram na Dinamarca.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Radioterapia... acabou

Passei hoje pela última sessão de radioterapia. Quando cheguei à clínica do hospital onde recebo o tratamento radioterápico, as enfermeiras me receberam com uma pequenina bandeira dinamarquesa para comemorar meu último dia no papel de churrasquinho.

Não é nada agradável me olhar no espelho e ver o que a radioterapia fez com minha pele. Uma mancha escura cobre toda a área tratada e a cicatriz da operação, que coça muito, está bastante avermelhada. Segundo as enfermeiras, nas próximas duas semanas poderei sentir coceira e ardência e só depois a pele começará finalmente a se recuperar. Banhos de mar e piscina estão proibidos para mim no próximo mês e só depois de um ano poderei tomar sol na região afetada.

Foram 24 sessões, uma por dia, de segunda a sexta-feira e, de modo geral, tudo correu muito bem, mas é um alívio que não terei mais de passar por tratamentos tão violentos. A violência da radioterapia não pode ser comparada com a da quimioterapia, que é muito mais devastadora, mas nas últimas duas semanas do tratamento vinha me sentindo como um espetinho mal passado.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Treinamento

Hoje consegui subir dois lances de escada sem ter de me arrastar para superar os últimos degraus. Aleluia! É um sinal de que finalmente os efeitos colaterais da quimioterapia estão cedendo.

Já faz quase dois meses que passei pela última quimioterapia e ainda hoje sinto alguns efeitos colaterais. Acho que o pior deles ainda são as ondas de calor que sinto várias vezes por dia. Infelizmente esse efeito poderá continuar por muito tempo já que o tratamento anti-hormonal que estarei recebendo por cinco anos também provoca ondas de calor. Ao calor indesejado, soma-se que meu paladar ainda não voltou ao normal, minha força muscular continua a desejar e as pontas dos dedos permanecem um pouco dormentes.

Mas a cada dia que passa me sinto mais forte e menos cansada. Comecei a fazer meu próprio plano de treinamento físico que inclui um programa de corridas combinadas com caminhadas três vezes por semans. É um ótimo programa para quem está fora de forma como eu e consiste em começar com caminhadas intercaladas com corridas curtas onde o tempo caminhado vai dimimuindo e as corridas vão gradativamente aumentando. Depois de doze semanas estarei correndo os sonhados 30 minutos.

Achei esse programa num site dinamarquês e se você quiser usá-lo e não dominar a língua aí vai uma rápida tradução para as palavras da tabela que você vai encontrar naquele link:

- gang – caminhar
- løb – correr
- uge – week
- dag - dia

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Síndrome da Boa Menina Traída pela Sorte

A Síndrome da Boa Menina Traída pela Sorte (SBMTS) acomete ambos os sexos mas, principalmente, mulheres, independentemente da faixa etária, classe social, etnia, grupo cultural ou religioso.

As mulheres atingidas pela síndrome acham que sempre fizerem tudo bem direitinho: prestaram atenção na aula, obedeceram aos pais e respeitaram os mais velhos, fizeram o dever de casa, pagaram os impostos devidos, pararam no sinal vermelho e não pisaram na grama verde.

Quando se trata de saúde, as acometidas pela SBMTS acham que não é justo que, apesar de levarem uma vida relativamente saudável, acabem sofrendo de doenças graves como, por exemplo, câncer.

A SBMTS é um mal crônico cujos sintomas volta e meia se manifestam de forma extrema na forma de crises de choro, mau humor, sentimento de auto-piedade, expressão cara de vítima, desânimo, fúria e revolta.

Cada paciente deve receber um tratamento individualizado que pode incluir a prescrição de piadas bobas contadas por um irmão ou amigo, conversas fiadas com uma irmã, um jantar só com amigas mulheres, um passeio na praia ou num bosque, dançar com os filhos ou namorado ou marido, comer um bolo ou sobremesa bem gostosa, saber sobre quem tem ainda mais motivo para se sentir vítima da má sorte etc.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Inchaço

Hoje passei pela décima sétima sessão de radioterapia e já não vejo a hora de chegar à vigésima quarta e última sessão, na semana que vem. Segundo as enfermeiras que me atendem, o tratamento está correndo muito bem mas não sei se tenho a mesma opinião.

A pele na área que submetida ao tratamento está muito irritada e sinto como se tivesse sido exposta ao sol por horas. Quase não aguento usar sutiã e a melhor parte do dia é quando chego em casa e visto uma camiseta bem folgada, sem nada por baixo. É um alívio. Hoje comecei a usar uma mini-blusa de algodão sob o sutiã para aliviar a pressão do soutiã sobre a pele.

A pele em volta da cicatriz da mastectomia está com uma cor escura, parecendo, e aí as mulheres vão me entender bem, da cor de manchas no rosto de quem passou por uma gravidez.

Mas o que me preocupa mais agora não é a pele e sim meu braço esquerdo. No final de semana depois das cinco primeiras aplicações, meu antebraço começou a inchar. Dias depois o inchaço atingiu o cotovelo e agora está chegando à mão.

As enfermeiras dizem que deve ser um efeito colateral passageiro causado pela radioterapia e que deve desaparecer depois do tratamento, embora haja o risco que o inchaço continue e até piore. Se isso acontecer, é provavel que eu esteja sofrendo de uma doença linfática crônica sem gravidade, a linfedema, que muito frequentemente atinge mulheres que tiveram gânglios linfáticos removidos por causa de um câncer de mama ou que passaram por radioterapia. É uma doença sem gravidade e tratável mas, infelizmente, sem cura.

A possibilidade de estar sofrendo desta doença conseguiu me abalar por uns dias. Senti raiva das pauladas que tenho levado da vida e bateu novamente a “síndrome da boa menina traída pela sorte”.