terça-feira, 17 de agosto de 2010

Brasília irreconhecível

Nas minhas últimas férias em Brasília, houve momentos em que, sendo levada de carro por uma de minhas irmãs de um bairro para outro, percebi que não sabia onde estava. A cidade onde nasci, que conhecia como a palma da minha mão, está se transformando de forma tão rápida e desenfreada, que está ficando irreconhecível.

Quando falo de uma Brasília irreconhecível não me refiro apenas à Brasília planejada dos cartões postais, aquela do Plano Piloto em forma de avião, onde estão as belas sedes do legislativo, executivo e judiciário. A minha Brasília é aquela que inadvertidamente escapuliu dos desenhos dos urbanistas e arquitetos que planejaram a cidade e que também inclui as chamadas cidades satélites e os remanescentes de áreas naturais que sobreviveram às quatro primeiras décadas da cidade mas que agora estão sucumbindo à explosão populacional.

Há pessoas que acham que tanta mudança é uma consequência inevitável do desenvolvimento e crescimento da cidade, mas eu não consigo pensar da mesma forma. Quando passo pela estrada que liga Taguatinga, onde minha mãe mora, ao Plano Piloto, onde estão a sede do executivo, do legislativo e do judiciário do país, não consigo deixar de me assustar com mudanças na paisagem que para mim são aberrações da falta de planejamento e do oportunismo político. De um lado está o bairro hoje chamado Vicente Pires onde antes havia uma colônia agrícola com 358 chácaras e áreas com vegetação natural do cerrado. Em 1997, os chacareiros começaram a parcelas seus terrenos e vender lotes para residência. O governo não freou a venda ilegal e o resultado é que 13 anos depois o setor tem 70.000 habitantes. Toda a área está tomada por condomínios particulares e, depois de anos de ocupação irregular do solo, o então governador José Roberto Arruda resolveu criar oficialmente o bairro Vicente Pires. Em outras palavras, premiou aqueles que ocuparam burlaram as leis para conseguir um lugar para morar. Lá, segundo uma reportagem do Correio Braziliense há 12,000 obras irregulares e “cerca de 500 casas estão à beira de córregos ou em áreas com solo de vereda”. Ouvi o relato de uma pessoa cujo vizinho tem uma mina de água brotando nos fundos do quintal dele.

Do outro lado da estrada está Águas Claras, um bairro que me faz lembrar São Paulo tantos são os espigões que preenchem mais e mais a paisagem. Inicialmente previsto para abrigar prédios de 12 a 16 andares, o bairro teve seu planejamento modificado e o limite na altura dos prédios não existe mais. Resultado, a população do lugar, que deveria ser de no máximo 160.000 habitantes, chegou a 110.000 habitantes em 2008. Segundo Paulo Zimbres, o arquiteto responsável pelo plano inicial do bairro numa entrevista à Casa Abril, hoje a população de Águas Claras estaria beirando os 300.000 habitantes. Como o bairro ainda não está totalmente concluído e tem quase 100 prédios em construção, o número de habitantes vai aumentar ainda mais.

É natural que Brasília cresça. Seria injusto tentar congelar seu crescimento. A cidade não é uma ilha e, se fosse, seria “invadida” por mar por brasileiros em busca de uma vida melhor e direitos básicos como saúde e educação. Mas a forma como o crescimento da cidade está acontecendo me parece descabida, sem qualquer consideração ambiental ou preocupação com a qualidade de vida dos moradores no futuro.

Temo a profecia do respeitado urbanista e professor Aldo Paviano de que em alguns anos Brasília estará completamente coberta por ruas, calçadas e construções escondendo o belo solo vermelho do cerrado. Ele inclusive se questiona o por quê de se criar tantos bairros novos ao invés de se ampliar os bairros já existentes aproveitando a estrutura que eles já possuem.

Por isso tudo, comemorei sozinha aqui de Copenhague a impugnação da candidatura de Joaquim Roriz ao governo do Distrito Federal. Para mim, ele é um dos grandes responsáveis pelo processo de degradação de Brasília. Em seus quatro mandatos como governador, ele criou seis cidades-satélites e distribuiu milhares de lotes, estimulando ainda mais a migração desenfreada para o Distrito Federal e se esquecendo, por exemplo, de trabalhar pela geração de empregos e das consequências ambientais de sua administração irresponsável.

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