segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O mundo lá fora

Vaso com tulipasHá engarrafamentos no mundo lá fora. Posso vê-los, bem em frente e abaixo da minha janela. Há também ciclistas velozes que lá longe passam em fila indiana. Bem sei que não pedalam resignadamente enfileirados. Ao contrário lutam e disputam espaço na ciclovia.

Há muitas torres no mundo lá fora. Meus olhos míopes me dizem que são pelo menos 23 torres, de todos os tamanhos e idades. Bem sei que há mais, muitas mais nesta cidade que alguns apelidaram de cidade das torres.

O sol às vezes brilha no mundo lá fora, mas o casaco daquela senhora que passa me diz que as temperaturas outonais já chegaram.

Lá fora há velocidade, não há tempo a perder.
Aqui, o tempo não é veloz nem vagaroso. É marcado pela dor que chega periodicamente, sempre que os efeitos dos analgésicos estão para acabar e, principalmente, pelos passos no corredor. Os passos no corredor podem ser apressados ou lentos. São os passos das dezenas de pessoas em roupas brancas que vão e vêm. Pessoas gentis e prestativas, mas fora do meu alcance.

Há também os outros, ainda mais distantes, se movendo pesadamente em robes listrados, floridos e coloridos, e que se reservam o direito de se manter enclausurados e silenciosos.
Não sei se tenho saudade do mundo lá fora, embora o mundo aqui seja paralisante. É um mundo com muitas horas solitárias, interrompidas por visitas conversadeiras e animadas.

O mais que faço é esperar. Há aqui muitas esperas, algumas longas, outras nem tanto. Se está sempre a esperar alguém ou algo e nada se pode apressar: o sangue que pinga, a rápida consulta do médico, a comida servida na bandeja, o remédio para levar a dor, a visita que está para chegar.

Estou, estacionada, a esperar, sem poder ir ao encontro da visita, atrás do médico, preparar minha comida, buscar meu remédio nem estancar a ferida.

Tudo tem tempos que não controlo. Estranhamente, isso não me aflige. Talvez ainda sofrendo os efeitos da anestesia, me conformo com as esperas.

Mas, na hora de talvez sair para o mundo lá fora, as horas resolvem se atrasar ainda mais, se rastejam numa demora exasperante. Me impaciento com a médica que já deveria ter vindo mas nunca chega. Sera que se esqueceu de fazer a ronda matutina?

O mundo aqui neste quarto de hospital é um grande teste para a minha paciência.

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